Embora futebol não seja só resultado e tampouco apenas performance, há algumas premissas que mesmo o mais moderno dos conceitos não consegue transformar. Para quem é apaixonado por um clube e de suas glórias só ouviu falar, não viveu, a angústia no peito vazio de faixas e do armário nu de taças se alimenta do tempo sem gritar "é campeão".
Colorados e coloradas nascidos depois de 2010 vivem esta cena incômoda como antes viveram gremistas que sentiram o amargor de 15 anos sem títulos mais relevantes. Depois de conquistar a Recopa sobre o Independiente argentino em 2011, o Inter ganhou competições regionais até parar perigosamente de ganhar.
Se não der volta olímpica em 2023, serão sete anos de jejum. Para um clube deste tamanho e relevância, é um período interminável e constrangedor. Ter cooperado definitivamente para o rebaixamento do Grêmio em 2021 ao ganhar o Gre-Nal do Beira-Rio, por exemplo, foi uma enorme alegria para quem veste vermelho. Porém, tratou-se de comemorar mais a infelicidade alheia do que a felicidade própria.
Não é a mesma coisa, embora seja provável que quem torce não reconheça conscientemente a diferença. Uma coisa é levantar uma taça importante e ser feliz por isso. Não tem comparação, se bem me lembro do tempo em que eu frequentava arquibancada — houve um tempo, aliás, 1982, em que frequentei o cimento do Olímpico e do Beira-Rio todos os domingos e quartas-feiras.
A informação de qual era a cor da minha bandeira em criança, embora pareça despertar bastante curiosidade, não tem importância alguma para o que é meu sacerdócio hoje em dia. Logo, não será revelada.
O título desta coluna se refere diretamente à quantidade de pianos nas costas dos profissionais colorados na abertura desta temporada. Mesmo no ano passado, em que o rival jogou a Série B, o Inter foi eliminado pelo Grêmio na semifinal do Gauchão com um acachapante 3 a 0 no Beira-Rio.
A dor acumulada desde 2016, ano do último título do Inter e também do até então inédito rebaixamento, vai machucando carne adentro cada vez que entra na conta uma eliminação de Sul-Americana para o Melgar ou quando o bico da chuteira de Edenilson está à frente do último defensor do Corinthians na última rodada do Brasileirão 2020 e o gol do tetra é anulado.
Para entender a vaia em uníssono após o 2 a 2 em casa contra o Caxias é preciso puxar a folha corrida das dores coloradas. Quem gritava "uuuuuuuuu" quarta-feira passada estava protestando contra o conjunto recente da obra, contra equívocos desta ou da direção anterior, do técnico atual ou dos anteriores, de jogadores que ainda vestem ou nem vestem mais a camisa do Inter.
Para que esta dor retroativa e cumulativa cesse, só há um remédio. A taça. O caneco. A faixa no peito. A volta olímpica. O urro de "é campeão" a plenos pulmões. E nem precisa ser da milionária Copa do Brasil ou da prestigiada Libertadores. A do Gauchão já serve.
No Campeonato Gaúcho, a campanha contabiliza quatro empates e duas vitórias contra times flagrantemente inferiores ao do Inter, que entra na rodada deste fim de semana em terceiro lugar. Não há como ter sucesso no pedido por paciência à torcida, por mais que Mano Menezes não seja responsável pela grande maioria dos insucessos de antes.
Há um gatilho cruel a agravar e potencializar a angústia colorada. O Grêmio lidera oito pontos à frente, tem 100% de aproveitamento e, cereja azeda do bolo, trouxe para protagonista um jogador que arrumaria o time do Inter.
Luizito Suárez nem fez gol contra o Juventude quinta-feira passada, foi sua mais modesta atuação. Não atenua o desconforto de quem veste vermelho. É provável que colorados e coloradas estejam atônitos pela mudança brusca de perspectiva em três meses.
Antes da Copa do Catar, o Grêmio vivia dias de mediocridade. Subiu sem ser campeão, tinha um time ruim e cofres raspados. O presidente eleito, Alberto Guerra, buscou socorro em gremistas endinheirados, apostou alto na elevação da autoestima de sua torcida e contratou 11 reforços.
O escandaloso favoritismo que o Inter ostentava ao fim do Brasileirão em que foi vice-campeão virou fumaça. A direção colorada se desfez de jogadores de alto salário e baixo rendimento sem, no entanto, ter aumentado a qualidade geral do time e do elenco. A maior carência do Inter, um goleador, foi a principal contratação do Grêmio. A tempestade perfeita.
Neste sábado, o Inter joga em Pelotas contra o Brasil. Domingo, o Grêmio recebe o Avenida. Só uma improvável catástrofe tira do time de Renato Portaluppi o primeiro lugar e o direito de jogar a segunda partida de semifinal e final em casa.
O Ypiranga, goleado no Beira-Rio, tomou o segundo lugar de quem o goleou. Tivesse o Avenida vencido o Aimoré, os Colorados ocupariam hoje a última vaga de classificação. Esta soma de acontecimentos acrescenta fardos e fardos nas costas de quem entrar em campo no Bento Freitas.
Com sua experiência, Mano tenta puxar para ele a responsabilidade da campanha frágil. Age sabendo que pode estar gastando parte do enorme crédito que tem com a torcida. É nobre, coisa de quem sabe liderar. Entretanto, o treinador é o primeiro a ter consciência de que o ano só ganhará a leveza da brisa e a beleza do mar se alguma taça for para a sala de troféus do Inter.
Vaga de Libertadores não basta mais, o clube aparece com frequência na mais importante competição sul-americana desde que voltou para a Série A brasileira. Não há o que afague a alma colorada se não o fim da estiagem. E, creia quem me lê, não se trata de interpretação do colunista. É fato constatado a partir da pergunta que mais escuto de colorados e coloradas neste início de 2023: "E aí...será que este ano vai?"