Imagine-se no lugar de Fernando Santos. O treinador português ousou tirar Cristiano Ronaldo do time em plena Copa do Mundo. Portugal perdera para a Coreia do Sul. A seleção não convencia ninguém. A eliminatória seria contra uma Suíça que não dá nem leva goleada. Um relógio, de tão metódica.
O treinador tinha uma decisão impopular a tomar, mas o contexto ajudava. Cristiano Ronaldo se inviabilizou no Manchester United, treinou em separado e saiu do clube. Como unanimidade, o totem estava fragilizado. Em campo, não se bancava como em tempos idos. Então, se a ideia era revolucionar o time, estava plantada a semente. O cenário ajudava.
Restava confiar que o substituto desse a resposta que fizesse o técnico colher os louros do bônus do sucesso. Gonçalo Ramos, do Benfica, foi o escolhido. Marcou metade dos seis gols que eliminaram os suíços. A atuação coletiva de Portugal afirmou a mais espetacular apresentação da seleção em anos. Deu tempo até para Fernando Santos ser generoso e magnânimo. Fez entrar Cristiano Ronaldo, que os árabes queriam ver de qualquer jeito. O ídolo, aliás, fez rápida e correta leitura de cena e percebeu que deveria agir com grandeza.
De colete de reserva, comemorou os gols de quem o substituiu. O telão, ao procurá-lo, nunca o pegou emburrado; CR7 sorria. Ao fim e ao cabo, todos ganharam. Mas ninguém mais do que o treinador português.
Para enfrentar Marrocos, não ouvirá nem do novo reserva estrelado qualquer crítica caso repita o quarteto ofensivo final. Não tem razão para mexer. Quem entrou, como Gonçalo Ramos, jogará o fígado aos leões para manter sua nova condição de titular. Fernando Santos ganhou a mesa numa tacada de risco calculado.
Só uma eliminação reverteria este novo status de mago estrategista. Não deve acontecer. O treinador vive dias de consenso e reconhecimento. Sabe, pela natureza de sua função, que temporadas assim costumam ser raras e curtas. Seus muitos cabelos brancos nas têmporas sinalizam que nada no mundo do futebol o surpreende a esta altura.
Então, o melhor a fazer é desfrutar deste momento com todas as papilas gustativas disponíveis. É como sentir o bouquet do vinho de primeira na taça de cristal antes de bebê-lo a pequenos goles. Momentos assim se apreendem pelo tempo que der. Atrasa-se a passagem dos segundos para que pareçam não passar. Nunca se sabe quando — nem se — haverá cena como esta para viver.