Ao votar pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro até 2030, o relator da ação contra o ex-presidente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Benedito Gonçalves, disse que as sucessivas investidas de Bolsonaro em desacreditar o sistema eleitoral criaram um estado de "paranoia coletiva", com prejuízos à democracia que abriram caminho a planos de golpe de Estado.
Nos bastidores, já era esperado um voto contundente de Gonçalves, que é corregedor-geral do TSE. Nas 382 páginas de sustentação, resumidas em sua leitura na noite de terça-feira, o ministro foi além da defesa das urnas eletrônicas - acusadas de fraude sem provas. Disse que não é possível "fechar os olhos" para discursos antidemocráticos, criticou a banalização do golpismo e evidenciou o uso indevido da imagem das Forças Armadas pelo ex-presidente.
O relator ainda classificou como "falácia" a tese da defesa do ex-presidente de que a reunião convocada por ele com embaixadores estrangeiros se tratava exclusivamente de um encontro diplomático e institucional. Foi um "episódio aberrante" em que se utilizou da posição de chefe de Estado para "degradar o ambiente eleitoral" e expor mentiras ao mundo todo.
O voto fez uma longa explanação sobre os riscos do uso da internet para desinformação. O corregedor disse que liberdade de expressão não alberga "informações falsas ou teoria da conspiração sobre fraudes eleitorais por ministros e servidores do TSE", ainda mais com transmissão em TV pública e canais de comunicação oficial do governo.
O convite para militares acompanharem os testes de integridade das urnas eletrônicas, que é praxe em outros pleitos eleitorais, também foi utilizado, na opinião do relator, como forma de intimidar o TSE com a imagem das Forças Armadas.
— Existe um flerte perigoso e nada discreto com o golpismo — observou, citando ainda tentativas do ex-presidente de se vitimizar junto ao eleitorado.
Por não ter participado diretamente da reunião com embaixadores e das outras manifestações que desacreditaram o sistema eleitoral, o candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, general Walter Braga Netto, foi absolvido da acusação pelo relator. O resultado já era esperado pela defesa.
Na retomada do julgamento, prevista para quinta-feira (29), o primeiro a votar será o ministro Raul Araújo Filho, que recebeu um pedido público de Bolsonaro para que peça vista do processo. Na semana passada, em entrevista à Rádio Gaúcha, o ex-presidente defendeu que seria bom se a análise fosse suspensa. O pedido, contudo, não deve ser atendido.
O que dificilmente mudará até a próxima sessão também é a tendência desfavorável ao ex-presidente no julgamento. Entre os sete integrantes da Corte, Bolsonaro deverá contar com no máximo dois votos. Na Justiça, restarão apenas recursos protelatórios, sem chances de modificar o resultado. A saída que aliados já estudam é via Congresso, por meio de um projeto para anistiar o ex-presidente. Neste caso, sim, com desfecho imprevisível.