A Lava-Jato voltou aos holofotes nas últimas semanas em casos que expõem méritos e deméritos do esforço de combate à corrupção mais importante da história do país. Os devotos da polarização dirão que a força-tarefa foi perfeita ou que foi uma farsa. Mas, passados nove anos e três eleições da primeira operação, ficou mais fácil enxergar que o mundo não se divide simplesmente entre mocinhos e vilões. E impor esta simplificação só favorece a um lado: o da impunidade.
É inegável que, salvo raríssimas exceções, a impunidade era regra no Brasil até o início da Lava-Jato. E a condenação na semana passada do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello mostrou que, após décadas de envolvimento em escândalos, foi somente a partir de uma delação promovida pela força-tarefa de Curitiba que ele acabou responsabilizado por envolvimento em corrupção e lavagem de dinheiro. Dezenas de outros casos se somam a esse.
A confusão entre Justiça e justiçamento, contudo, levou o então procurador Deltan Dallagnol e outros colegas a estreitarem laços com o juiz Sergio Moro, e a revelação de trocas de mensagens entre eles indicou conluio na condução de processos. Ansiosa pelo enfrentamento do mal que assola o país, boa parte da sociedade acha que vale tudo em nome do combate à corrupção. Ocorre que foi aberto aí o precedente que as bancas de advogados tanto sonhavam. Com indícios irrefutáveis de descumprimento de preceitos básicos da lei, deu-se início a uma série de anulações de sentenças.
O atropelo da lei foi repetido há duas semanas e inverteu os papéis. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adotou a Lei da Ficha Limpa com rigor inédito e cassou o mandato de Deltan (Podemos), deputado federal mais votado do Paraná. A decisão gerou controvérsia. Mas nada é coincidência no caso, que também serve de lição a quem divide o país entre bem e mal, com Lula e Bolsonaro em polos opostos. A cassação foi unânime, com votos de três ministros indicados pelo atual e três pelo ex-presidente.
A cassação do ex-procurador, somada aos reveses que o hoje senador Sergio Moro (União-PR) já enfrentou no jogo político, mostram que, quanto mais próxima da política partidária, pior é a atuação do Judiciário. É difícil resistir quando você se enxerga em um super-herói inflado gigante em manifestações com milhares de pessoas vestindo verde e amarelo. Mas há vezes em que a ficção imita a realidade e mostra que na política há muito mais cinza do que preto e branco.
Ao enfrentar o falso estereótipo do herói perfeito, o diretor Zack Snyder colocou em Batman vs Superman: A Origem da Justiça o supervilão Lex Luthor para dizer uma incontestável verdade: "Sabe qual é a mentira mais antiga? De que o poder pode ser inocente".