Era para ser uma reunião tranquila do Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), dado o consenso de que a taxa de juro seria mantida. Mas virou alvo de especulações depois das críticas de véspera do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Roberto Campos Neto, presidente do BC.
A maior curiosidade, enquanto se esperava o comunicado, não era a Selic, que todos sabiam que ficaria nos atuais 10,5%, mas se haveria unanimidade e, acima de tudo, qual seria o voto de Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária e virtual substituto de Campos Neto.
E houve unanimidade, o que significa que Galípolo votou a favor da manutenção, assim como os outros três já indicados por Lula. A expectativa de que o comunicado trouxesse algum sinal dos próximos passos foi frustrada. Foi ainda mais resumido do que costuma ser:
"O Comitê, unanimemente, optou por interromper o ciclo de queda de juros, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela."
Nenhuma pista sobre os próximos movimentos, que terão de ser perseguidas na ata da reunião, que será publicada na próxima terça-feira.
No mercado, a especulação era se Galípolo teria conforto em se alinhar a Campos Neto depois que Lula havia afirmado que o BC é "a única coisa desajustada" na economia. Como o presidente afirmou que escolheria, para a presidência do BC, um profissional "maduro" e "calejado", havia uma questão de idade - Galipolo tem 42 anos. Agora, também pode haver o obstáculo da falta de alinhamento.
O voto unânime vai acentuar as especulações sobre concorrentes ao cargo, como André Lara Resende, um dos "pais" do Plano Real, e Luiz Awazu, ex-diretor do BC que também foi vice-gerente-geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS), considerado "o BC dos BCs". No mercado, também foi citado o atual diretor de Assuntos Internacionais, Paulo Picchetti, mas quem conhece o economista garante que ele não assumiria o cargo se a condição fosse baixar juro sem condições efetivas para isso.
Os fatores de pressão no mercado
Falta de perspectiva do início de cortes de juro nos EUA: a taxa alta lá e mais baixa aqui diminui a atratividade de investimentos no mercado financeiro no Brasil, e investidores resgatam aplicações aqui para migrar para mercados mais lucrativos.
Ajuste fiscal: a decisão do governo Lula de reduzir o déficit primário (despesas maiores que receitas antes do pagamento da dívida) só com aumento de arrecadação, sem corte de gastos, é considerada frágil e difícil de manter ao longo dos quatro anos de mandato. A recente ajuda ao Rio Grande do Sul, que eleva os gastos, contribui com essa percepção. Sinalizações de cortes de gastos nos últimos dias chegaram a proporcionar algum alívio, mas não duradouro.
Eleições na Europa: embora fosse esperado o crescimento das bancadas que questionam a União Europeia, a expressiva votação da extrema direita na França fez o presidente Emmanuel Macron convocar eleições em seu país, o que eleva a incerteza na economia.