É um aparente paradoxo: há quase unanimidade sobre a decisão sobre o juro, no final da tarde desta quarta-feira (18), mas ainda assim a reunião do Comitê de Política Econômica do Banco Central (BC) é uma das tensas da história recente.
O que acrescentou estresse foi a forte crítica ao atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, feita de véspera pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não pelo eventual mal-estar criado entre os dois personagens, mas por um eventual "condicionamento" dos diretores da instituição já indicados no atual mandato.
Se na véspera o mercado reagiu com aparente tranquilidade às declarações de Lula, nesta quarta-feira (19) o dólar abriu em alta e se aproxima dos R$ 5,50: no final da manhã, está cotado a R$ 5,461 - embora a bolsa também apresente leve alta.
No mercado, a especulação do dia é sobre como vão reagir os quatro diretores indicados por Lula, que não os poupou ao dizer que o BC é "a única coisa desajustada" na economia. Um deles, Gabriel Galipolo, é considerado franco favorito para substituir Campos Neto, que termina seu mandato no final deste ano.
Até a véspera, havia quase consenso de o Copom manteria o juro em 10,5% ao ano em votação unânime. Depois da entrevista de Lula, surgiram dúvidas. Galipolo teria conforto para votar pela manutenção sabendo de antemão que isso desagradaria o presidente, que está prestes a tomar uma decisão sobre seu futuro?
Para além do conteúdo, o ataque verbal de Lula ao BC e a seu atual presidente foi considerado especialmente inoportuno pela data, exatamente a véspera da reunião do Copom. E como o presidente afirmou que escolheria, para o lugar de Campos Neto, um profissional "maduro" e "calejado", os 42 anos de Galipolo não caberiam nesse perfil.
Por isso, cresceram especulações sobre concorrentes ao cargo, como André Lara Resende, um dos "pais" do Plano Real, e Luiz Luiz Awazu, ex-diretor do BC que também foi vice-gerente-geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS), considerado "o BC dos BCs".
Os fatores de pressão no mercado
Falta de perspectiva do início de cortes de juro nos EUA: a taxa alta lá e mais baixa aqui diminui a atratividade de investimentos no mercado financeiro no Brasil, e investidores resgatam aplicações aqui para migrar para mercados mais lucrativos.
Ajuste fiscal: a decisão do governo Lula de reduzir o déficit primário (despesas maiores que receitas antes do pagamento da dívida) só com aumento de arrecadação, sem corte de gastos, é considerada frágil e difícil de manter ao longo dos quatro anos de mandato. A recente ajuda ao Rio Grande do Sul, que eleva os gastos, contribui com essa percepção. Sinalizações de cortes de gastos nos últimos dias chegaram a proporcionar algum alívio, mas não duradouro.
Eleições na Europa: embora fosse esperado o crescimento das bancadas que questionam a União Europeia, a expressiva votação da extrema direita na França fez o presidente Emmanuel Macron convocar eleições em seu país, o que eleva a incerteza na economia.