Em tese, a cobrança de multa é a punição mais grave para a má prestação de serviço público de distribuição de energia elétrica, privatizados ou não. No entanto, por mais que as agências reguladoras determinem cobranças elevadas por descumprimento de contrato, raramente as empresas pagam - e quando o fazem, recolhem uma fração do valor imposto.
Em São Paulo, a Enel tem multas acumuladas de R$ 700 milhões, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Segundo a empresa, foram pagos R$ 55 milhões. No Rio Grande do Sul, a CEEE Equatorial soma R$ 69 milhões em sanções, mas até fevereiro nada havia sido pago, como mostrou reportagem de Fábio Schaffner..
É nesse cenário que vem crescendo o debate sobre a perda da concessão como ápice da gestão de consequências, agora alimentado pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, como foco político. Mas o que explica, afinal, a ineficiência desse tipo de mecanismo?
A coluna ouviu ex-diretores de agências reguladoras, que aceitaram falar mas pediram para não ser identificados, para ajudar a entender - e com a expectativa um tanto otimista de que auxilie a resolver - o problema.
Há dois ritos que costumam ser lentos depois da imposição da multa. O primeiro é o administrativo, ou seja, a defesa da empresa perante o órgão fiscalizador. Quando se esgota esse canal - geralmente com a confirmação da multa, com ligeiros ajustes para cima ou para baixo - ainda resta o jurídico.
Até aí, funciona o sistema de proteção às empresas contra eventuais excessos na imposição de multas. Mesmo os críticos das regras atuais afirmam que os critérios para aplicação desse tipo de punição são bem definidos, com base em planilhas e indicadores, reduzindo o risco de arbitrariedades.
No entanto, há distorções nas duas fases. Na administrativa, há relatos de multas que empacaram em determinados estágios da hierarquia, sem explicação técnica. Na jurídica, a forma de contratação de assessoria é baseada em um percentual de pagamento sobre a multa não paga, o que incentiva uma atuação bastante agressiva dos escritórios de advocacia.
Nos raros casos de multa paga, os recursos vão para a Aneel. Mesmo quando a Agergs era a responsável pela cobrança - deixou de ser no final de março, sintoma de que há insatisfação com o atual formato -, repassava os valores para a agência nacional, que remunerava a estadual por serviços prestados. Esse dinheiro não vai para o custeio da reguladora. Normalmente, é usado em campanhas dirigidas ao consumidor.
Anos atrás, quando a CEEE ainda era estatal, houve uma proposta para que as multas por má prestação de serviço - sim, já era muito ruim - fossem convertidas em compromissos de investimento no reforço da rede, uma tentativa de evitar que a empresa, com pesados prejuízos, afundasse ainda mais. Não deu certo.