Desde a publicação do resultado da arrecadação federal de janeiro, a tensão sobre a apresentação do primeiro Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias deste ano já diminuiu. Trata-se de uma espécie de balanço das contas do governo, como descrito pelo colega Mathias Boni.
Na quinta-feira (21), os números da receita de fevereiro - a maior em 30 anos para o mês - transformaram o que era a hora da verdade do déficit zero quase em evento burocrático, com baixo suspense.
A arrecadação acumulou aumento real (descontada a inflação) de 8,98% no primeiro bimestre e "salvou" a meta de déficit zero. Ao menos, por ora. Em valor, foram R$ 467,2 bilhões de receita nos dois primeiros meses.
Nesta sexta-feira (22), técnicos da Fazenda e do Planejamento apresentaram um resultado que dificilmente será repetido: déficit de R$ 9,3 bilhões, o equivalente a -0,1% do PIB - portanto dentro do limite de 0,25%.
O relatório se conecta ao principal foco de incerteza no governo Lula, o ajuste fiscal. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem reiterado compromisso com a meta de déficit zero, para não aumentar o endividamento que pressiona a inflação, vista com ceticismo. Mas ao menos nos dois primeiros meses de 2024, Haddad tem motivos para comemorar. Foi por pouco.
Mas ainda há cinco momentos de forte suspense durante o ano, a cada nova apresentação do "balanço" do governo, que não é trimestral, como o das empresas, mas bimestral. Na véspera da apresentação do relatório, as principais referências em contas públicas mantiveram as projeções de déficit por volta de 0,8% até o final do ano, em linha com as estimativas do mercado financeiro.
A principal inquietação é de que, se e quando for necessário fazer um talho mais fundo no orçamento, a meta de déficit zero seja substituída por outra que impeça grandes cortes. É bom lembrar por que a meta de déficit zero é considerada "muito ambiciosa": significaria ir de um rombo equivalente a 2,4% do PIB - ao redor de R$ 240 bilhões - para o teto de 0,25%, ou cerca de R$ 25 bilhões até dezembro. Para Haddad, como diziam os vigias noturnos da Idade Média, é março e, até agora, tudo bem. Mas ainda é preciso passar pelo inverno.