Pedro Englert é um dos gaúchos com atuação de maior destaque no mercado financeiro nacional. Foi sócio da XP Investimentos por cerca de 10 anos e CEO do portal InfoMoney. Também foi CEO da Startse e hoje está no comitê executivo da empresa. Ainda é sócio de diversas fintechs, como a Warren. Em 2023, assumiu a presidência do conselho diretor da Junior Achievement Brasil, plataforma global de conhecimento e formação em empreendedorismo para jovens no ano em que a entidade completou 40 anos de atividades no país.
Como começou o envolvimento com a Junior Achievement (JA)?
Fui aluno em 1995, a Junior estava começando no Brasil ainda. A JA chegou em 1983, inicialmente com uma operação em São Paulo, mas ainda sem muita tração. No início dos anos 1990, um grupo de empresários gaúchos se reuniu, e resolveu trazer esse movimento para o Estado. A partir daí, começaram a implementar os programas aqui, e estive nas primeiras turmas dessa segunda fase no Brasil. Sempre gostei do mercado, de empreendedorismo, e a Junior era o lugar que podia experimentar aquele ambiente. Na sequência, fui do grupo de fundadores do Nexa, que existe ainda hoje. Quem passava pela Junior poderia participar desse grupo, que visitava indústrias, falava com empresários, fazia encontros periódicos e se mantinha perto desse ambiente. Ao longo da minha carreira, continuei perto da Junior, volta e meia me chamavam para participar de algum evento ou programa. Em determinado momento, o Marcelo Carvalho, que era o presidente do conselho, me convidou para voltar de forma mais efetiva, também com aquela ideia de formar um aluno, o aluno se desenvolver, ter carreira consolidada, e depois voltar para contribuir com as próximas gerações. Assim, entrei no conselho e virei presidente do conselho diretor da JA no Brasil.
Para 2024, a JA Brasil tem meta de formar um milhão de jovens no Brasil, que tipo de experiências terão?
A Junior tem estrutura global. Tem a Junior Worldwide, a das Américas, a do Brasil e depois tem as estaduais, seguindo metodologia comum. A Junior Worldwide se organizou em três pilares de educação: um é "Inspire" (inspirar), que tem unidades de até quatro horas de duração, online ou presenciais, com palestras e encontros com empresários. O segundo é "Prepare" (preparar), que tem com um dos eixos a miniempresa, uma das atividades mais conhecidas da JA, que tem cerca de 70 horas de duração e é desenvolvida ao longo de várias semanas. A terceira categoria é "Succeed" (ter sucesso), que desenvolvem o jovem para o mercado de trabalho. É uma formação mais específica, de tecnologia, que conecta o jovem a alguma atividade, um processo de execução do que ele vai aprender. As metodologias funcionam quase como se fosse uma empresa mesmo, onde se coloca muita gente no topo do funil, na inspiração, para despertar o desejo de conhecer e se envolver mais, participar do próximo produto, até fazer uma formação mais aprofundada. São 16 produtos no portfólio, e a ideia é fazer um milhão de de experiências com jovens nesse ano no Brasil. Em 2022, fizemos 394 mil, e, em 2023, já demos um salto para 730 mil. Por isso, esperamos agora chegar a 1 milhão.
Qual é o papel do Rio Grande do Sul na JA Brasil?
O Estado tem tradição, foi pioneiro dessa segunda fase da organização no Brasil. Foi a partir do Rio Grande do Sul que a Junior foi para os demais e se criou a Junior nacional. Mas anos depois desse movimento, a Junior no Rio Grande do Sul perdeu um pouco de força, até que há uns quatro anos teve retomada muito forte, novamente impulsionada por um grupo de empresários locais. A JA-RS saiu de uma média de 3 mil experiências por ano, para chegar a 80 mil no ano passado. Hoje, o Rio Grande do Sul é novamente um Estado de referência para a JA no Brasil, ao lado de Ceará, Santa Catarina e Rio de Janeiro.
Como avalia o atual ambiente de negócios no Estado, com investimentos no ecossistema de inovação, e realização de eventos internacionais como o South Summit?
O gaúcho sempre foi um povo muito sério, muito comprometido, mas também muito conflituoso em determinados aspectos. Hoje o mundo está tão complexo, tão veloz, com tanta coisa sendo criada, que precisamos mais colaboração para acompanhar esse ritmo. Precisamos de propósitos comuns, colaboração, essa é a tônica da modernidade. Nos últimos anos, o Rio Grande do Sul tem mostrado que, quando consegue colaborar, pode fazer coisas incríveis. O South Summit é o hoje provavelmente o principal evento de inovação na América Latina, e é um exemplo disso. Também temos o Pacto Alegre, com colaboração de diferentes profissionais e instituições, outro exemplo dessa mentalidade inovadora. Se a gente consegue juntar a virtude do nosso povo com a capacidade de colaborar e não brigar, a gente vai voltar novamente a ocupar um lugar de destaque.
Como o empreendedorismo pode ajudar a reduzir a desigualdade social no Brasil?
Hoje a Junior Achievement tem cerca de 95% da sua atuação em escolas públicas. E a gente observa que muitos desses jovens têm dentro deles uma força, uma resiliência, que é fundamental para empreender. Nesse aspecto, a JA também tem um papel muito importante, que é de inspirar, de mostrar caminhos que muitas vezes esses jovens não vislumbram. Com internet e compartilhamento de informações, há mais recursos disponíveis para quem quer seguir o caminho do empreendedorismo do que há 2o ou 30 anos. Quando um jovem em situação mais vulnerável vai para o caminho do empreendedorismo, além de poder transformar a própria vida, impacta muitas pessoas ao seu redor, porque vira também uma referência para essas pessoas, mostrando que há outros caminhos a seguir. Quando há pessoas mostrando que existem caminhos diferentes, essa ideia se multiplica. No Brasil, um país ainda com tanta desigualdade social, é muito importante trabalhar com essa perspectiva.
Como estão as atividades da Startse, que mistura educação com empreendedorismo?
Quando saí da XP, era um período de grande transformação, porque os ciclos são muito mais curtos e as mudanças, muito velozes e profundas. Estamos vendo empresas sofrerem porque ficaram presas no jeitos de agir do passado. Muitas vezes o sucesso traz um pouco de arrogância, de não conseguir ver o futuro, e até um pouco de medo de fazer transformação, mas o novo está vindo e está atropelando o passado. Na Startse, temos a oportunidade de tentar fazer uma formação, mostrar para as pessoas o que está acontecendo, e apoiar esse processo de mudança. Cresceu bastante, temos bases na China, nos Estados Unidos e em Israel além do Brasil.
E como a Warren está avançando, com um modelo diferente do da XP?
Para a Warren, a gente entendeu que era importante um modelo de investimento de uma plataforma aberta com alinhamento de interesses. Então, tem um alinhamento direto com o cliente, e só vai ganhar mais dinheiro se o cliente ganhar mais dinheiro, porque o retorno está ligado a um pedacinho do patrimônio do cliente. O modelo é uma evolução, para as pessoas investirem com pessoas que estão apoiando suas decisões e ambos ganham juntos, e não diferente do outro. Vislumbramos essa oportunidade no mercado brasileiro, entendemos que esse novo momento chegaria ao país, e pensamos na Warren como a corretora mais bem colocada para liderar esse processo, com mais transparência e mais alinhamento de interesse.
Com vê a economia do Brasil hoje?
No curto prazo, vivemos um momento positivo, com uma tendência de termos um mercado aquecido, com muito dinheiro que vem sendo jogado na economia nacional. Minha preocupação é mais em relação a médio e longo prazo, de como será quando essa conta vier. O Brasil é um país gigante, a economia é resiliente, então quem fizer as coisas bem feitas terá um espaço gigantesco de crescimento. Muitas vezes as pessoas colocam na macroeconomia e na conjuntura do país a culpa de seus fracassos, mas o Brasil tem um potencial de mercado gigantesco, que beneficia quem sabe explorar esse potencial.
* Colaborou Mathias Boni