Bernardo Assumpção é CEO e economista - formado na Universidade de São Paulo (USP) - da Arton Advisors, butique de investimentos que atende 400 famílias com cerca de R$ 6 bilhões. Sua proposta de trabalho é ter patrimônio investido nas teses indicadas aos clientes.
— Costumo dizer que sou um curandeiro que experimenta as próprias poções, ou tem a pele no jogo, como se diz no mercado.
Também atua em intermediação de fusões e aquisições, outra atividade que exige atenção total ao cenário econômico nacional e internacional. E não perde o radar do local em que atua: a Arton adota escolas públicas. Sem ignorar as incertezas globais e os problemas nacionais, Assumpção faz um diagnóstico:
— O buraco que a gente tem é grande, mas o Brasil é maior do que o buraco.
Como está a economia?
O Brasil certamente hoje é um país que tem menos ruído institucional do que 2022, que foi ano eleitoral. Vivemos um momento extremamente ruidoso, o que fez preço no câmbio, na bolsa, gerou volatilidade. No ano passado, o Brasil se posicionou melhor nos fóruns internacionais. Também há mais sincronismo entre os poderes. Executivo, Legislativo e Judiciário conviveram melhor, o que surpreendeu céticos. Tivemos uma reforma tributária, que não é ideal, mas é um avanço interessante. Como antes houve a trabalhista e a previdenciária. Houve avanços institucionais interessantes, somados a um crescimento econômico que surpreendeu positivamente no ano passado. O desemprego baixou, gerou clima relativamente melhor. Foi um ano bom, com menos ruído institucional. Agora, o que está em questão é a velocidade com que o Banco Central (BC) vai descer o juro e as tensões entre o Congresso e o Executivo.
Como pode se desdobrar os conflitos nessa relação?
Aí há um risco, porque há pontos que opõem de forma mais direta o Congresso ao Executivo. Um desses temas é o da desoneração da folha, se vai haver reoneração ou não, e em que momento isso vai acontecer.
Se não for zero, mas um número não assuste o mercado, pode ajudar a deixar as expectativas de inflação ancoradas.
Como isso pode impactar a meta de déficit zero?
O governo está tentando fechar as contas. Se não for zero, mas um número não assuste o mercado, pode ajudar a deixar as expectativas de inflação ancoradas. O juro deve cair até 9,5% - minha projeção é maior do que a do consenso de mercado. Depois, depende do gasto público e da inflação. A de serviços - e o Brasil tem uma economia baseada em serviços -, segue pressionada, com preços de arroz, feijão e carne muito altos. Esse é um sinal de alerta para o BC. Na hora em que o governo não cumprir a meta, haverá pressões internas, pode jogar a inflação acima de 4%.
Como se deve entender a surpreendente declaração do presidente do BC, de a "intuição' do BC era de um primeiro trimestre melhor do que o esperado?
No ano passado, houve antagonismo entre o presidente da República e o presidente do BC. Agora, parece até que o Roberto Campos Neto foi convidado para o churrasco de final de ano. Há uma grande harmonia. A leitura é de que existe espaço para que o juro caia. Aqui, a taxa básica subiu mais rapidamente do que lá fora, ficou alta por mais tempo e agora está descendo bem devagar. O BC quer entregar sua missão (de inflação na meta). É preciso cuidado para que a dose de remédio não esteja asfixiando o paciente. O BC hoje é dependente de dados. Em janeiro houve um soluço, com IPCA mais forte, as pessoas ficaram mais céticas. Os cortes de meio em meio ponto estão telegrafados. Claramente, a inflação atual não permite aventura.
Mas temos uma situação totalmente instável no Oriente Médio (...). Mas o radicalismo não quer a paz.
Por que você está mais cauteloso sobre juro do que a média do mercado?
Se o cenário geopolítico ficar estável, o juro vai caindo, pode haver valorização maior do real, Campos Neto vai sorrir, ficar mais otimista, e a Selic pode chegar até a 8% ou 8,5%. Mas temos uma situação totalmente instável no Oriente Médio. Há um esforço para manter a estabilidade na região, países como Catar e Arábia Saudita estão investindo para ter economia mais aberta. Mas o radicalismo não quer paz. Ainda há o conflito entre Rússia e Ucrânia e riscos ainda maiores na China e nos Estados Unidos. A bolsa chinesa caiu 40% em dois anos. O investimento direto caiu de US$ 300 bilhões para R$ 15 bilhões. E ainda há tensão entre China e Taiwan. São grandes elementos de tensão.
Também usou a expressão "na hora em que o governo não cumpria a meta", é só questão de tempo?
A arrecadação surpreendeu positivamente em janeiro. Para alcançar o déficit zero, o governo vai ter uma sanha arrecadatória, precisa resistir a forte pressão política por gastos. O ministro já disse que não faz o que quer. Precisa negociar emendas com o Congresso. Quando olho Haddad hoje, lembro de Palocci (Antonio), que era um grande interlocutor, o timoneiro do barco. Haddad e Campos Neto formaram uma dupla que tem ajudado melhorar as expectativas, reduzir o ruído institucional.
O medo do mercado é de que o governo enverede para o "capitalismo de Estado", em que o governo libere geral o gasto, especialmente em anos eleitorais.
O déficit zero pode ou não ser alcançado?
Déficit zero ou próximo a zero é uma possibilidade muito remota. O mais provável é que fique entre 0,5% ou 1% do PIB. Se tudo der muito certo, pode ficar entre 0,5% e 0,8%. Sem matemágica, seria positivo. O medo do mercado é de que o governo enverede para o "capitalismo de Estado", em que o governo libere geral o gasto, especialmente em anos eleitorais. Se isso ocorrer, o descontrole fiscal. atrapalha bastante, gera inflação e tira crescimento. O buraco que a gente tem é grande, mas o Brasil é maior do que o buraco.