A especulação sobre a intenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de dar ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega um cargo de gestão na Vale começou junto com seu mandato. Nas últimas semanas, o rumor se aqueceu, às vésperas de uma reunião do conselho administrativo da mineradora, marcada para a próxima quarta-feira (31).
A Vale, é bom lembrar, foi privatizada há 30 anos. Atualmente, 90% das ações da empresa estão com sócios privados, de forma pulverizada. Ou seja, opera como uma "corporation", sem controle definido.
Mesmo assim, o governo federal tem influência nas decisões por meio da Previ, o fundo de pensão de funcionários do Banco do Brasil, maior acionista individual, com 8,6%. Ainda tem 12 "golden shares", que são direitos a veto em casos específicos, como venda ou fechamento de jazidas minerais e mudança da sede.
O que se especulava era que Lula desejava emplacar Mantega como CEO, ou seja, o principal executivo da empresa. O atual, Eduardo Bartolomeo, está em final de mandato, que poderia ser renovado ou encerrado de fato. Nesta sexta-feira, porém, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, negou até a existência de uma operação "Mantega na Vale":
— O presidente Lula nunca se disporia a fazer uma interferência direta numa empresa de capital aberto, licitada em bolsa, uma corporation, que tem a sua governança, e sua natureza jurídica que deve ser preservada.
Durante a semana, uma postagem de Lula nas redes sociais foi interpretada como sinal de pressão, já que expressava condenação à forma como a Vale vem sendo gerida, especialmente no caso do estouro da barragem de Brumadinho
Conforme Silveira, ele mesmo foi "massacrado" - circulou a informação de que teria ligado a conselheiros pedindo a indicação de Mantega - e o presidente, "injustiçado" com a especulação sobre a interferência. Independentemente da autenticidade das palavras de Silveira, é bom que a frase seja gravada, mostrada e replicada várias vezes, para ser mostrada em eventuais novas tentativas, sejam de Lula ou de seus sucessores. O presidente da República tem um poder imenso, mas também precisa conviver com os limites ao excesso de intervenção.
Sem entrar no mérito da suposta justificativa para emplacar Mantega - seria para reparar uma injustiça com o ex-ministro, que teve de deixar a equipe de transição por ter gerado má repercussão -, uma companhia com ações negociadas na bolsa não é o fórum adequado para dar segundas chances ao arbítrio presidencial. Neste governo, nos anteriores e nos seguintes, há regras que devem ser seguidas. Quebrá-las é ruim para os negócios, para o país e para o próprio mandatário de turno, porque desgasta sua imagem.