Testemunhar o lançamento da primeira fábrica de veículos elétricos do Brasil traz sensações contraditórias. É impossível não pensar no que teria representado para o Rio Grande do Sul a saída da Ford do Brasil se a unidade inicialmente pensada para Guaíba tivesse ficado por aqui.
E também é impressionante constatar que, em dois anos, a Bahia, mais uma vez, encontrou uma saída para atrair outra montadora para o Estado.
Em janeiro de 2021, o anúncio da saída da Ford do Brasil já havia provocado polêmica. A unidade era um símbolo da guerra fiscal no país.
Para quem não viveu, é bom lembrar: antes de optar pela Bahia, a americana negociou a instalação de uma nova montadora no Rio Grande do Sul, no final dos anos 1990. Mas as tratativas com o governo Olívio Dutra fracassaram à época. Até hoje, há duas narrativas para o episódio: a de que o PT mandou a Ford embora e a de que o governo federal da época fez uma manobra para beneficiar o governo baiano, que era seu aliado.
A Ford ficou na Bahia por duas décadas. Começou a produzir em 2001, e anunciou o fim da produção nacional — também em Taubaté (SP) e Horizonte (CE) — em 2021, em plena pandemia, quando a falta de semicondutores deu um nó nas montadoras do mundo todo.
A saída foi histórica porque a Ford havia sido a primeira montadora a se instalar no Brasil, um século antes, em 1919. Em Camaçari, chegou a produzir 250 mil unidades por ano dos modelos EcoSport e Ka, os dois que eram "baianos".
As ironias históricas do anúncio desta segunda-feira (9) desmontam os dois discursos por trás das narrativas. Primeiro, a Bahia é governada há 16 anos pelo PT, o mesmo que teria "mandado a Ford embora". E mesmo que as negociações tenham começado no governo anterior, foi um governo federal petista que chancelou sua conclusão. Por outro lado, relativiza a tese de que montadoras só são atraídas por meio de "negociatas" — como petistas sustentavam à época da saída da Ford do Estado.