O adiamento da viagem à China - boa parte dos empresários já estava lá quando a decisão foi tomada, o que gerou certa frustração - embute oportunidades e desafios ao governo Lula.
A principal expectativa que abre é de acelerar a apresentação do novo marco fiscal, cujo adiamento foi justificado exatamente pela ausência do presidente e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no país.
Para que essa oportunidade se concretize, porém, há uma fila de desafios a vencer. O principal é o impasse entre Câmara e Senado em torno da votação de medidas provisórias que trancam a pauta do Congresso. Sem essa solução, não apenas as novas regras fiscais ficarão à espera na já longa fila de apreciação quanto medidas cruciais para a atual administração correm o risco de caducar.
O que se sabe do resultado da reunião de sexta-feira (24) entre Lula e o presidente da Câmara não parece promissor: Arthur Lira (PP-AL) teria avisado que, se a tramitação não ocorrer como ele quer, estaria disposto a provocar um "apagão" nas pautas de interesse do governo. Desde o vai-não-vai de Lula à China, cresceu a discussão sobre a eventual necessidade de reduzir o número de viagens internacionais do presidente. Não só para preservar a saúde, mas também porque a articulação política começa a inspirar cuidados.
Não bastasse o impasse que afeta objetivamente o interesse legislativo do governo, Lula queimou capital político em três episódios absolutamente desnecessários: a quebra de braço com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, a exposição de Haddad na apresentação do marco fiscal e o deplorável comentário sobre a suposta "armação" de Moro no caso da ameaça de ataque fartamente comprovado pela Polícia Federal. Não só reforçou um adversário político que não sobressaía até então; desgastou o próprio ministro da Justiça, Flavio Dino, que informou publicamente a operação.
O governo ainda tem uma crise interna para superar, com foco na relação do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, com os colegas. As especulações chegaram a tal nível que foi preciso organizar uma reunião com Haddad, ao final da qual ambos negaram desgastes com sorrisos ensaiados. Essa situação expõe outro desafio: obter consenso dentro do governo sobre o marco fiscal, fonte do aparente desentendimento entres os ministros. Segundo os médicos, Lula precisa de repouso. A sua lista de tarefas, porém, é longa e trabalhosa.
No mercado, só a apresentação - seguida de avaliação criteriosa - das regras que vão substituir o teto de gastos já pode representar alívio e alterar as perspectivas para o início do corte do juro básico. No entanto, a intenção, ainda que correta, depende de aprovação legislativa - assim como a reforma tributária. E sem resolver o impasse entre Câmara e Senado, isso não será possível, porque as MPs trancam toda a pauta.
Atualização: foi marcada para entre o final da manhã e o início da tarde mais uma reunião para tentar vencer o impasse entre Câmara e Senado, na casa de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e líderes do governo nas duas casas legislativas.