Enquanto o mercado e os economistas esperam a definição do arcabouço fiscal, milhões de famílias e empresas superendividadas aguardam ansiosamente outra promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: o Desenrola, programa para regularizar pendências em atraso prometido na campanha.
Ao indicar as novas presidentes de Banco do Brasil e Caixa, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que uma das missões que receberam, respectivamente, Tarciana Medeiros e Rita Serrano, era apresentar o programa "nas primeiras semanas" deste ano.
O percentual das famílias com contas em atraso atingiu um recorde: 30,3% em novembro, conforme a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Esse patamar é o maior maior da série iniciada em 2020, em plena pandemia. Em novembro de 2021, o nível era de 26,1%.
Outro levantamento, feito por Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), apontou que, a cada 10 brasileiros adultos, quatro (40,05%) estavam com o nome negativado em outubro de 2022. Isso equivale a 64,9 milhões de pessoas, um novo recorde para a série histórica iniciada há oito anos.
É bom lembrar que quase todos temos pendências: a mensalidade da casa própria, o crédito do carro e o parcelamento no cartão são dívidas, como várias outras que assumimos e tentamos manter em dia. Por isso, o percentual das famílias endividadas é ainda maior, de 78,9% em novembro, um pouco abaixo do que o do mês anterior, de 79,2%, conforme a Peic.
O problema se agrava quando essas dívidas assumem um percentual tão grande da renda que as famílias não conseguem pagar no prazo previsto. Nos últimos anos, surgiu o fenômeno do "rodízio de boletos", em que contas alternadas são escolhidas para deixar para o mês seguinte, para reduzir o risco de nome em cadastros negativos ou corte de serviços essenciais, entre outras consequências. Na campanha, Lula descreveu o efeito que o superendividamento e a inadimplência alta provocam na economia:
— A loja não vende, a fábrica não fabrica, o povo não compra.
Como todo grande fenômeno, a elevação da inadimplência é resultado de vários fatores: a perda de poder aquisitivo causada pela inflação, a falta de educação financeira e a elevação forte da taxa Selic, que foi de 2% a 13,75% em apenas 17 meses. E como todo problema complexo, exige solução estruturada, que não pode ser apenas outra linha de crédito, ainda que com juro mais baixo. E será preciso calibrar a expansão de crédito que Haddad discute com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Se não for feita com muito critério, só vai agravar o problema que pretende solucinar.
Na terça-feira (3), Haddad afirmou que Gabriel Galípolo, secretário-executivo da Fazenda, vai montar a proposta com as presidentes dos dois bancos públicos para depois apresentar, ainda neste mês, a Lula. Além de pessoas físicas, deve contemplar pequenas empresas e incluir bancos privados, como o ministro da Fazenda reafirmou na véspera da reunião com o presidente da Federação dos Bancos Brasileiros (Febraban), Isaac Sidney, realizada nesta quarta-feira (4).