Depois de sair de uma reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na terça-feira (3), o embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, saiu falando na retomada do desenvolvimento da moeda comum do Mercosul. Nesta quinta-feira (5), depois de sair da posse da ministra do Planejamento, Simone Tebet, Haddad desmentiu a informação em tom irritado.
Dependendo do formato, esse debate de quase trinta anos embute uma pegadinha: o Brasil tem cerca de US$ 330 bilhões em reservas internacionais, enquanto a Argentina luta para não deixar as suas caírem abaixo de US$ 40 bilhões, considerado um nível crítico.
No dado mais recente disponível, de terça-feira (3), o Banco Central tinha uma muralha de US$ 325,25 bilhões reservados em outras moedas - mesmo depois de queda acentuada no último ano do governo anterior -, enquanto o Banco Central da República Argentina mantém um dique com rachaduras de US$ 44,59 bilhões em 30 de dezembro passado.
Reservas internacionais são uma espécie de lastro para as moedas nacionais, não só para enfrentar momentos de volatilidade cambial global mas até na definição do próprio valor da denominação. Não é por coincidência que o peso argentino tenha registrado forte desvalorização quando as reservas do país tenham declinado.
Na descrição de Scioli, a moeda comum ambicionada neste momento não seguirá o modelo do euro, que extinguiu moedas nacionais como o franco francês e o marco alemão, exigiu dos países participantes uma harmonização de indicadores macroeconômicos nunca totalmente alcançada - e que no caso de países do bloco seria ainda mais desafiadora.
— Trabalharemos na moeda comum, mas isso não significa que cada país terá a mesma moeda. Significa uma unidade para a integração e aumento do intercâmbio comercial no bloco regional — disse Scioli a jornalistas depois da reunião de terça-feira com Haddad.
Pelo tom de Scioli, talvez a "comunhão de reservas" fique fora do projeto de moeda comum. Mas como também mencionou o a "redução do custo financeiro das importações e exportações do bloco", é preciso observar com atenção a evolução da ideia. É bom lembrar que o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a proposta e até sugeriu nome - "peso real", referência às duas principais economias da região.
Em abril de 2022, Haddad e o secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, publicaram artigo defendendo um moeda digital sul-americana, que se chamaria SUR (sul, em espanhol). Teria base na Unidade Real de Valor (URV), parte do Plano Real. Também era um modelo que preservava real, pesos argentino e uruguaio e guarani paraguaio, entre outras.
Em uma das entrevistas que se seguiram à sua indicação, Haddad quase repetiu uma frase de Fernando Henrique Cardoso, que ao assumir a presidência pediu que esquecêssemos o que ele havia escrito. O ministro da Fazenda disse que uma coisa é a publicação de "papers" - textos para discussão, no jargão acadêmico -, outra são decisões de governo.