Fundada em 1961 e com produtos de qualidade reconhecida no mercado, a Martau está às voltas com um processo de recuperação judicial que já enfrentou duas decretações de falência.
Na sexta-feira (2), essa história de 61 anos de solavancos e dois de montanha-russa (veja linha do tempo abaixo) terá um momento decisivo: a incomum decisão judicial que reverteu a falência será reavaliada por cinco desembargadores.
Se a decisão de manter a empresa funcionando for confirmada, haverá nova assembleia geral e será apresentado outro plano de recuperação. Confiante na ratificação, o CEO da empresa, Milton da Silva Martins, relata o que levou a essa situação tão incomum que sua advogada, Adriana Angelo, teve até dificuldades em encontrar jurisprudência para o caso.
Aos 66 anos, Martins está há 25 na Martau. Antes, trabalhou na Zivi Hércules, que chegou a ter 15 mil empregados. Comprou o negócio da família de mesmo nome, que decidiu se afastar.
— Comprei marca, instalações, linha de produtos, tecnologia, ferramentas, mas não o passivo, porque minha intenção era horizontalizar (produzir de forma terceirizada). Temos o melhor ventilador de teto do Brasil. Estava dando tão certo que tinha mais demanda do que produto. Quis fazer a maior indústria de ventiladores de teto da América Latina, 100% brasileira e com 90% de fornecedores gaúchos. Comprei um terreno de 36 mil metros quadrados no Distrito Industrial de Alvorada. Por volta de 2010, investi R$ 1 milhão em movimentação de terra, fiz um financiamento de R$ 5 milhões no Badesul. Cometi um erro — afirma.
Com o dinheiro no bolso, Martins passou a preparar a ambiciosa empreitada. O período de recessão do país que começou em 2014 e só terminou em 2016 inverteu as direções das pás de seus ventiladores, relata:
— Era o momento de dar um tempo, não tinha pego todo o dinheiro com o Badesul, mas empresário sempre pensa que vai dar certo. Além da empresa, me endividei como pessoa física. Errei de novo, e tive que pedir recuperação judicial em 18 de novembro de 2019. Hoje, pode parecer presunçoso, mas tudo o que eu previa aconteceu. O império de produtos da China está com os dias contados, não em um ano, mas em talvez 10 — projeta.
Martins aproveita para esclarecer porque os seus ventiladores não são 100% nacionais: uma única peça — o comando de acionamento e velocidades, que chama de "batatinha" — vem de uma empresa de Taiwan. É o único item que importa. O pedido de recuperação o abalou, confessa:
— Tive muitos problemas pessoais, dos quais não falo muito para não me vitimizar. Bebi durante dois anos, coloquei a empresa na mão de uma consultoria. Não suportava dever para pessoas. Não que não me importasse com dívidas nos bancos, mas era pior — lembra.
Até então, a empresa costumava faturar cerca de R$ 4 milhões mensais. Nas contas de Martins, ele passou 118 dias falido, 18 dias na primeira vez, mais 90 na segunda. Ele sustenta que as assembleias gerais que concluíram com pedidos de falência tiveram "condições atípicas" sobre as quais só quer falar mais tarde, quando tiver documentos suficientes para demonstrá-las. Mas afirma que a iminência do fim das atividades de uma empresa tão tradicional gerou interesse de empresas e empresários locais, dispostos a investir na Martau para expandir sua atividade.
O passivo da empresa chega a R$ 18 milhões, dos quais R$ 3 milhões seriam devidos a ele mesmo — "eu era o segundo maior credor, abri mão" — assegura. Entre a mais recente assembleia geral e a decisão de reverter a falência, o empresário diz ter feito um acordo com o Badesul, principal credor da empresa. Mas reforça que "nenhuma empresa em recuperação judicial levanta sem dinheiro novo".
Por isso, já tem engatilhado um plano de venda da sede da empresa, em Porto Alegre, que será usado para reduzir a dívida de um credor. Também faz planos para obter ganhos com o pavilhão quase concluído em Alvorada, que não pretende mais usar para fazer a tal "maior fábrica de ventiladores da América do Sul". Afirma ainda ter dois investidores já comprometidos a aportar um total de R$ 1,1 milhão.
— Claro, eles querem garantias. Se tivermos êxito na sexta-feira, vamos fazer um novo plano de recuperação já contando com essa ajuda e talvez outras que surjam. Vamos trazer investimentos, arrumar a casa, mas não vamos conseguir sem que o Judiciário dê uma chance para se soerguer. Depois disso tudo, os credores não querem a falência, os fornecedores também não. A quem interessa a falência da Martau? — questiona.
A linha do tempo das duas falências
18/11/2019: pedido de recuperação judicial
16/12/2019: deferimento no Judiciário
13/7/2021: assembleia geral de credores rejeita plano de recuperação
15/7/2021: primeira decretação de falência
30/7/2021: apresentação de agravo de instrumento à primeira falência
2/8/2021: concessão de efeito suspensivo e reabertura da empresa
1/4/2022: julgamento do mérito, com decisão favorável à falência
13/4/2022: apresentação de embargos de declaração
5/7/2022: concessão de efeito suspensivo, com abertura da empresa
29/7/2022: primeiro julgamento do mérito, com reversão da falência, por três desembargadores
2/9/2022: novo julgamento, com agora por cinco desembargadores