A inflação enfim começou a desacelerar, mas é bom lembrar: a menor alta segue empurrando os preços para cima — com menos velocidade, mas na mesma direção. É nesse cenário que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) toma uma decisão crucial na quarta-feira (3): eleva o juro em 0,5 ponto percentual, como prevê a maior parte do mercado, ou em 0,25 ponto, como sugere parte dos analistas?
Neste mês, o BC enfrenta um novo dilema: vai apertar um pouco mais a torneira do crédito e ver, em outro canal, uma irrigação de recursos na economia pela via do aumento de 50% no Auxílio Brasil que começa a ser pago em uma semana.
Para entender o tamanho do desafio do Copom, é preciso lembrar conceitos. O juro é o instrumento do BC para regular a economia. Se a atividade e a inflação estão fracas, a Selic pode ser cair para estimular o crédito e, em consequência, os negócios. Se, ao contrário, ambas estiveram fortes, o remédio amargo é subir a taxa de referência para frear crédito e consumo.
O objetivo da alta de juro, portanto, é exatamente frear a circulação de dinheiro na economia. Só que, no Brasil que terá eleições presidenciais dentro de apenas dois meses, o governo Bolsonaro decidiu abrir os cofres para aumento de 50% do Auxílio Brasil, que começa a entrar no próximo dia 9, sem contar outros pagamentos diretos a categorias específicas, como caminhoneiros e taxistas.
Ao apresentar novas estimativas para a economia do país, em julho, Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, observou que a sociedade brasileira já se habituou a um cenário em que a política monetária freia e os gastos do governo aceleram. Mas lembrou que, em outros países, "é bem diferente". Ou seja, o BC tem uma dificuldade extra para definir sua estratégia. Isso pode requerer uma alta mais forte.
— O mix de políticas não é estranho na experiência brasileira. Às vezes tem estímulo fiscal vindo do lado do gastos, às vezes pela redução de de impostos. O BC tem de fazer o seu trabalho. Deve fazer o que acha certo.
O tema aparece nas projeções de quase todas as instituições financeiras. O relatório da XP, assinado por Tatiana Nogueira e Caio Megale, que integrou a equipe de Paulo Guedes, aposta em alta de 0,5 ponto e na manutenção da Selic em 13,75% até meados de 2023. Mas não descarta que possa "optar por ir um pouco mais longe, para garantir que o IPCA recue adiante", até porque "não estamos em circunstâncias normais":
— O Congresso aprovou a emenda constitucional que permite um aumento substancial das despesas acima do teto este ano. E quase não há clareza sobre qual será o arcabouço fiscal a partir de 2023. Esse parece o principal risco para a inflação no horizonte relevante do Copom.
Entre os que admitem alta menor, de 0,25 ponto, está Felipe Reymond Simões, diretor da Wit Asset. Para o economista, o Brasil já deveria até ter iniciado o ciclo de redução de juro, por ter chegado muito antes que o resto do mundo em patamar elevado. Lembra que a Rússia baixou sua taxa de referência de 9% para 8%, e diz não haver sentido que o Brasil remunere acima de 50% a mais do que a Rússia, país que segue atacando a Ucrânia e sofre sanções econômicas.
Os principais índices de inflação
IGPs: Índices Gerais de Preços, calculados pela Fundação Getulio Vargas. Têm três variações, IGP-M, IGP-DI e IGP-10, com diferença apenas no período de apuração. Cada um é composto por três componentes: Índice de Preços no Atacado (IPA), com peso de 60%, Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%, e Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), com peso de 10%.
IPCA: Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, calculado pelo IBGE, é considerado oficial porque serve de referência para o Banco Central calibrar o juro básico. Mede variação de preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e 40 salários mínimos.
INPC: Índice Nacional de Preços ao Consumidor, também do IBGE, mede avariação nos preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e oito salários mínimos. É a referência para negociações de reajustes salariais.
IPCs: Índices de Preços ao Consumidor calculados pela FGV, tem quatro variações, entre as quais a mais conhecida é o IPC-S.