Com inflação em dois dígitos há 10 meses, o Brasil voltou aos tempos dos laboratórios de maquiagem de produtos e outras "soluções" para a alta de preços que marcaram as décadas de 1980 e 1990, antes que o Plano Real realinhasse a perda de valor da moeda.
Na tentativa de manter alguns produtos ao alcance das famílias mais atingidas pela perda de renda, fabricantes encolhem volume ou tamanho, no exercício de "reduflação" (expressão que circula nos supermercados) ou oferecem "similares", como caixinhas de soro de leite, espécie de "fakeflação" (termo impreciso que a coluna pede licença para usar na falta de outro melhor).
Não por acaso, os casos mais recentes de "fakeflação" envolvem derivados de leite, que subiu 10,72% só de junho para julho e acumula alta de 41,7% desde janeiro., conforme dados do IPCA do IBGE, considerado o índice oficial de inflação.
A venda de soro de leite (subproduto da fabricação de queijo que costumava ser destinado como resíduo industrial) em caixas semelhantes às do leite longa vida está sob investigação no Procon de São Paulo (clique aqui para ver a notificação). Mas também surgiram uma "mistura láctea condensada com leite, soro de leite e amido" em letras pequenas ao lado do leite condensado e o mais recente "similar": "mistura alimentícia com queijo ralado".
Embora possam ser vistas como alternativas, embora quase desesperadas, de manter alguma proteína na dieta do brasileiro, esses similares precisam ser claramente identificados para não induzir o consumidor a erro. Se sempre foi importante examinar as embalagens antes da compra, agora é preciso ter cuidado redobrado.
O Brasil sempre foi berço de produtos "tropicalizados", não só pelo clima e pela inflação, mas também pelo chamado Custo Brasil. A elevada e complexa carga tributária ajudou a criar uma legião de produtos "tipo" seu original mais elaborado vendido no Exterior. A adaptação ao bolso nacional começa nos carros e chega a produtos tão prosaicos quanto materiais de instalação elétrica, por exemplo. Mas agora, quando a inflação sobe no mundo todo e ainda mais por aqui (veja comparação abaixo, com dados atualizados até junho), "similar nacional" ganhou outro significado.
Quebrados ou em guerra
Líbano: 211%
Sudão: 192%
Zimbábue: 192%
O pelotão do Brasil
Rússia: 15,9%
Brasil: 11,89%
Espanha: 10,2%
Os ricos
Estados Unidos: 9,1%
Reino Unido: 9,1%
Holanda: 8,6%
Os latino-americanos
Venezuela: 167%
Argentina: 64%
Suriname: 59,8%
Fonte: Trading Economics, com checagens da coluna por amostragem
Os principais índices de inflação
IGPs: Índices Gerais de Preços, calculados pela Fundação Getulio Vargas. Têm três variações, IGP-M, IGP-DI e IGP-10, com diferença apenas no período de apuração. Cada um é composto por três componentes: Índice de Preços no Atacado (IPA), com peso de 60%, Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%, e Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), com peso de 10%.
IPCA: Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, calculado pelo IBGE, é considerado oficial porque serve de referência para o Banco Central calibrar o juro básico. Mede variação de preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e 40 salários mínimos.
INPC: Índice Nacional de Preços ao Consumidor, também do IBGE, mede avariação nos preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e oito salários mínimos. É a referência para negociações de reajustes salariais.
IPCs: Índices de Preços ao Consumidor calculados pela FGV, tem quatro variações, entre as quais a mais conhecida é o IPC-S.