Não é só o calendário — inclusive o eleitoral — que desafia o governo a cumprir a meta, anunciada na quarta-feira (14) de realizar um leilão de privatização da Corsan até dezembro. A mudança de modelo remove ao menos dois obstáculos, mas muitos dos problemas que levaram ao cancelamento da oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da companhia ainda precisam ser resolvidos.
A coluna consultou Ricardo Hingel, que conduziu a primeira oferta de ações do Banrisul em 2007. No caso da Corsan, alertava sobre o risco de fracasso desde o início do processo. Nesse período, apontou vários problemas, que são resumidos aqui.
Pedras no caminho da Corsan
As removidas pela mudança de modelo
1. A proposta inusitada de privatização com capitalização e controle pulverizado não foi justificada adequadamente. Empresas que se transformaram em corporations (sem controlador definido) têm anos de práticas exigentes de governança corporativa, o que não é o caso da Corsan. A forte influência do Estado proposta na operação também levantou dúvidas no mercado.
2. A oferta de ações de qualquer empresa, em especial se for inicial, caso da Corsan, exige preparação prévia. O Banrisul passou por um processo de atualização e modelagem de quase quatro anos, o que possibilitou o IPO em 2007. Com informações consistentes, a CVM aprova com mais rapidez e os investidores se sentem mais seguros. O preparo inadequado provocou a devolução, por duas vezes, do processo encaminhado à CVM e duas inspeções do Tribunal de Contas, com rejeição às explicações da empresa.
As que valem também para o leilão
1. O processo de privatização foi iniciado antes da regionalização do serviço de saneamento e dos ajustes de contratos com os municípios aos quais a Corsan presta serviço.
2. Grande número de municípios não concordou com os termos propostos e não renovou contrato. Parte dos contratos existentes tem cláusulas que extinguem a relação com a Corsan em caso de privatização.
3. Os aditivos assinados até agora ainda não foram homologados pela Agergs, portanto estão sem valor legal.
4. O valor de uma empresa de saneamento é definido pela quantidade de seus contratos com municípios porque, para esse serviço, o poder concedente é municipal. Isso significa que as prefeituras decidem como executar. Por isso, cada município que não recontratar a Corsan diminui o valor da companhia.
5. O número de contratos é uma das dificuldades para estipular o valor da companhia, tanto no caso do preço unitário das ações para a oferta pública, quanto em leilão que precisa de um mínimo para toda a empresa.
6. Questões não resolvidas diminuem o valor da empresa aos olhos dos investidores, como passivos trabalhistas e previdenciários.