Ex-secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar esteve em Porto Alegre na quarta-feira (18) para fazer a palestra de abertura do novo ciclo de preparação de líderes do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), entidade que organiza o Fórum da Liberdade. Antes, deu entrevista à coluna em que voltou a defender a privatização de todas as estatais para "acabar com a pobreza no Brasil". Afirmou, não sem antes dizer que poderia chocar, que a venda da Eletrobras com o jabuti bilionário é "mais barata" do que manter a empresa estatal. Depois de sair do governo, Mattar não retomou o comando da Localiza, empresa que fundou. Atua na difusão de ideias em três entidades — Instituto Liberal, Instituto do Livre Mercado e Instituto de Formação de Líderes — e atua como "assessor não remunerado" do governador de Minas Gerais, Romeu Zema.
O pedido de estudo para privatização da Petrobras o surpreendeu?
Não, o artigo 173 da Constituição é muito claro, diz que o Estado não deve competir com a iniciativa privada na produção. Alguém pode alegar que há uma lei de 1953, anterior à Constituição, criando o monopólio para a União. Foi uma época de nacionalismo exacerbado, foi uma falha, um erro do passado. Os Estados Unidos nunca tiveram uma estatal de petróleo e foi o maior produtor do mundo. A Petrobras não deveria ser estatal. Óleo não é estratégico, é uma mercadoria, como soja e milho. Só existe greve de caminhoneiro em país que tem estatal de petróleo, porque pode, com pressão, fazer o governo mexer no preço dos combustíveis. Onde há empresas privadas, não existe esse tipo de pressão sobre o governo. Uma boa forma de acabar com as greves dos caminhoneiros, que podem infernizar a vida do cidadão, é privatizando a Petrobras. Está em ponto ótimo para ser privatizada. É uma boa empresa, tem bons campos de petróleo, existe apetite para comprar ações essa empresa, já que é muito lucrativa. Defendo que seja privatizada tão logo seja possível.
Com ênfase no "seja possível"?
Em pesquisas recentes, a maioria dos brasileiros foi favorável a manter a Petrobras como estatal. Então, precisamos de uma liderança forte, de cabeça aberta, que tenha visão de futuro, para vender essa ideia à sociedade brasileira e ao mundo político. Isso vai acontecer em algum momento, vai surgir esse líder para privatizar a Petrobras, mostrando que estratégico para o país não é óleo, mas educação, saúde, segurança e estrutura.
Não basta apenas um líder dizer que quer privatizar a Petrobras. O Bolsonaro disse, Guedes falou. Para a venda, existe um pequeno imbróglio: o Congresso tem de aprovar.
Hoje, não temos esse líder?
Hoje, não temos esse líder, porque o presidente Lula já alertou que, se for privatizada, ele vai desprivatizar. Não basta apenas um líder dizer que quer privatizar a Petrobras. O Bolsonaro disse, Guedes falou. Para a venda, existe um pequeno imbróglio: o Congresso tem de aprovar. Quando falo "uma liderança", quero dizer que tenha voz também dentro do Congresso para fazer com que a maioria vote a favor. Precisamos de um líder como Juscelino Kubitschek. Faz falta um líder como ele, que dê o caminho e que as pessoas tenham respeito por essa liderança e sigam suas orientações.
Se Bolsonaro não é o líder que vai conduzir à privatização, por que, na sua opinião, fez o anúncio?
Pode até ser que ele conduza. O fato é que, para privatizar, não basta o presidente querer. Exemplo, Eletrobras. O presidente foi eleito com 57,7 milhões de votos e disse 'vamos privatizar a Eletrobras'. Os congressistas concordaram. Aí, veio o TCU (Tribunal de Contas da União), que não teve voto nenhum, são burocratas, e diz 'não, preciso analisar o processo'.
Com as greves dos caminhoneiros, o presidente teve consciência de que, para se livrar esse abacaxi, a greve, bem entendido, o melhor seria privatizar a Petrobras. Para fazer isso, precisa do Congresso. Ele não tem.
Mas o presidente disse que não privatizaria Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, não?
O modus pensanti é que Petrobras, BB e Caixa são estratégicos e não devem ser vendidos. Com as greves dos caminhoneiros, o presidente teve consciência de que, para se livrar esse abacaxi, a greve, bem entendido, o melhor seria privatizar a Petrobras. Para fazer isso, precisa do Congresso. Ele não tem. Na minha visão, todas as estatais são abacaxi, porque custam para o pagador de impostos.
Só a Petrobras vai pagar à União dividendos de R$ 24 bilhões só no primeiro trimestre. Isso é um abacaxi?
Vamos pegar o histórico da Petrobras há 20 anos, não é uma empresa tão rentável assim. Não pode pegar só o período recente. A cada dois anos, temos um presidente na Petrobras. Como pode dar certo uma empresa que troca de presidente a cada dois anos? Se o presidente Bolsonaro tiver a maioria do Congresso, poderia fazê-lo. Hoje, com eleição conturbada, qualquer coisa que se disser poderia ser uma inverdade, porque é difícil prever o que vai acontecer.
Qual o melhor modelo para privatizar a Petrobras?
O menos importante é a modelagem. O mais importante é o governo respeitar o artigo 173 da Constituição e vender essa empresa de óleo. A Petrobras vendeu a distribuidora, uma empresa de gasoduto, algumas refinarias e está tudo normal, tudo funcionando. O Estado está ocupando o lugar do privado e trazendo consequências para o cidadão. O problema não é o custo do petróleo, mas os impostos que incidem sobre os combustíveis. Se não vai vender, porque vamos discutir a modelagem?
Vou citar 10 estatais - Petrobras, Eletrobras, Furnas, Correios, BB, Caixa, BNB, Basa, Casa da Moeda, Hemobras - que têm desvios constantes há 20, 30 anos. Ninguém fez nada.
Mas se a Petrobras for vendida inteira, qual seria o sentido de trocar um monopólio estatal por um privado?
Outros países têm isso.
Outros países têm boas estatais de petróleo, como a Noruega...
Só a Noruega. Suécia não tem, Dinamarca não tem. É uma exceção, uma petroleira espetacular, bem administrada, não tem corrupção. Agora, em um país latino, com esse histórico que temos, por que ter estatal. Vou citar 10 estatais - Petrobras, Eletrobras, Furnas, Correios, BB, Caixa, BNB, Basa, Casa da Moeda, Hemobras - que têm desvios constantes há 20, 30 anos. Ninguém fez nada. E nós, eu, você, estamos pagando por isso, porque somos pagadores de impostos. Alguém saqueou essas empresas. Só a corrupção justifica não ter estatais.
A modelagem da Eletrobras incluiu um jabuti que prevê construção de gasoduto onde não tem gás, o que gerou muitas críticas de defensores da privatização. Como vê esse formato?
A forma está correta. Nossos políticos aproveitaram e colocaram jabutis, mas aí não é a privatização, é o Congresso, igualzinho à emenda de relator, o orçamento secreto. Isso é congressistas pendurando jabutis. Isso é custo da privatização. Para ser sincero, pode chocar, é mais barato privatizar com jabuti do que não privatizar. Há um estudo que mostra que a Eletrobras destruiu valor de R$ 276 bilhões nos últimos 20 anos. Estratégico no país é o povo, não estatal. Temos 11 milhões de analfabetos, 5,9 milhões de brasileiros sem teto. Não é muito mais estratégico vender estatais e dar uma casa para cada uma dessas pessoas? Temos de vender todas as estatais.
Vou citar 10 estatais - Petrobras, Eletrobras, Furnas, Correios, BB, Caixa, BNB, Basa, Casa da Moeda, Hemobras - que têm desvios constantes há 20, 30 anos. Ninguém fez nada.
E quando esse dinheiro terminar?
Não terá mais pobre. Nossas estatais valem R$ 1 trilhão. Dá para muitas pessoas, por muitos anos.
Na sua gestão, a Ceitec foi extinta, mas há questionamento por ter ocorrido em uma crise global de semicondutores.
Que semicondutores a Ceitec faz? Faz chip de orelha do boi, código de barras que você compra, pela internet, muito mais barato. A Ceitec é uma empresa ineficiente, improdutiva, que viola o artigo 173 da Constituição. Vamos respeitar a Constituição ou não? Se não for para respeitar, vamos manter a Ceitec.
Como vê a iniciativa de entidades empresarias para trazer produção de semicondutores ao Brasil?
Tenho de cuidar com as palavras, mas vamos dizer assim: deixa que o mercado funcione. Não temos de trazer, nem levar. Se tem oportunidade, vão vir. Porque montadoras vieram ao Brasil, porque foram embora? Por oportunidade ou por interferência de governo. Na pandemia, os governos consideraram oportuno fazer jorrar dinheiro da economia. O governo americano, o brasileiro e de diversos outras países usaram bilhões. Estamos colhendo desabastecimento, inflação e juro. Esse desajuste da economia foi provocado pelos governos que, para se reeleger, fizeram isso. No Brasil, foram R$ 800 bilhões para Estados e municípios e nunca houve tanta corrupção.