Luiz Fernando Figueiredo é sócio-fundador e CEO da Mauá Capital, que acaba de unir suas operações às da Jive Investments, em outro movimento de consolidação no segmento de gestão de recursos. A combinação dos negócios resulta em 29 anos de experiência e uma plataforma com R$ 13 bilhões sob gestão, mais de 350 colaboradores. Figueiredo, ex-diretor de política monetária do Banco Central (BC), também ajudou a fundar a Gávea, com o ex-presidente do BC Armínio Fraga. Disse nessa entrevista à coluna que a redução de juro ajudou a fazer uma "revolução" nos investimentos, mas credita à volta a níveis elevados ao processo global de inflação. Embora concorde parcialmente com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que o pior momento de alta de preços pode ter passado, adverte que os efeitos ainda serão sentidos por um longo período.
A união da Mauá com a Jive faz parte do movimento de consolidação do mercado?
A transformação do mercado de investimentos começou há cerca de 10 anos, com o surgimento de corretoras independentes, como Gávea, Jive e Mauá. Os brasileiros passaram a ter acesso a mais produtos. Quando a taxa de juro começou a cair, houve necessidade de os investidores admitirem mais risco para continuar obtendo a mesma rentabilidade. Apareceram plataformas que têm proposta de educação financeira e dar acesso a enorme diversidade de investimentos. Até então, só havia acesso a esses produtos no atacado (para grandes investidores). Permitiram, a custos de atacado, acesso ao varejo.
É esse o propósito da fusão, ampliar o acesso a produtos?
Há uma democratização de investimentos no Brasil. Antes, só quem tinha acesso a bons investimentos era o segmento private, de muito alta renda. Os segmentos seguintes, o que chamamos de "afluente" e o de varejo, cresceram muito. Há uma tendência global de produtos alternativos, de mais longo prazo, que agregam mais valor. É nessa esteira que a Jive e a Mauá estão inseridas.
Um dos exemplos é o mercado de dívida privada com problema. Os bancos não querem, veem só o problema. Muitas vezes, são empresas boas, que ficaram muito endividadas por razões variadas.
O que são esses produtos alternativos?
Um dos exemplos é o mercado de dívida privada com problema. Os bancos não querem, veem só o problema. Muitas vezes, são empresas boas, que ficaram muito endividadas por razões variadas. A Jive vai lá, conversa com a empresa, reestrutura a dívida, negocia com o credor, ajuda a se restabelecer. Com isso, a dívida, que valia uma fração do valor de face, volta a ganhar valor. Em termos de propósito, tem coisa mais legal? Dá rentabilidade boa ao investidor e recupera a empresa. Há outros, como crédito imobiliário de longo prazo, com garantia de imóveis, como uma indústria que quer investir em nova unidade. Um imóvel é ativo que não se deteriora e baixa o custo de financiamento.
Você mencionou que o juro baixou no Brasil, mas já voltou a subir muito. É uma sina?
A inflação está barbaramente elevada no mundo inteiro, não é um fenômeno brasileiro. No Brasil, a inflação é mais alta pela percepção de risco institucional e fiscal muito grande. A taxa de câmbio se depreciou muito e tivemos inflação maior do que os outros. Agora, de certa forma isso se acalmou. O risco institucional baixou, o fiscal está melhor do que no ano passado. Com isso, o Brasil passa a se comportar como o resto do mundo. O nosso BC sabe lidar com inflação. Os outros dizem que sabem, mas nunca lidaram. Inflação desse tamanho nos Estados Unidos faz cerca de 40 anos que não havia. Então, um americano para ter visto isso precisa ter ao menos 60 anos. Não foi uma coisa boa, mas a gente aprendeu para caramba. O Brasil se adiantou muito a todo esse fenômeno, estamos mais adiantados no processo de cuidar da inflação. Para comparar com uma doença, fomos os primeiros a aplicar antibióticos. Ainda estamos no meio do processo, a inflação não se acalmou.
Vai doer, sim, podemos estar caminhando para uma recessão moderada. Não vai ter milagre. O efeito sobre o Brasil vai ser o mesmo do resto do mundo. Contra fatos não há argumentos.
O temor de recessão global é fundado?
Estamos saindo da pandemia, mas ainda não conseguimos normalizar a oferta de produtos e serviços. Ao mesmo tempo, como se cuidou muito das pessoas e das empresas, dando dinheiro, a demanda não caiu, seguiu forte. Isso gera processo inflacionário. Agora, vai ser preciso esfriar um pouco as economias para que a inflação se acalme. Isso estava começando quando veio a guerra na Ucrânia, que ampliou o desafio, trazendo mais impacto de custo. Estamos em apuros, mas não quer dizer que vá para recessão. Vai doer, sim, podemos estar caminhando para uma recessão moderada. Não vai ter milagre. O efeito sobre o Brasil vai ser o mesmo do resto do mundo. Contra fatos não há argumentos. Aqui, ainda estamos sob o efeito das grandes exportações de commodities, que ajudam nesse sentido.
O inferno da inflação passou, como disse o ministro Guedes?
A chance de a inflação estar começando a cair é grande, mas ainda é preciso ver mais indícios. No entanto, as consequências do processo inflacionário ficam. Os efeitos da inflação vão seguir conosco por um longo tempo. Mas, se piorar, será pouco.