Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls, um dos muitos braços da Gouvêa Ecosystem, referência nacional em consultoria de varejo, setor que está em plena transformação. Para ele, falar sobre shoppings é como passear em um desses equipamentos desafiados pelas mudanças no consumo. No Brasil, avalia, o processo será "menos traumático" do que nos Estados Unidos, onde antigos templos de consumo viraram prédios-fantasma. Marinho faz palestra na quinta-feira (26) na 9ª Feira Brasileira do Varejo, organizada pelo Sindilojas-RS, a convite da SVB Par, por sua vez responsável pelo Pontal Shopping.
Como a pandemia acelerou transformações que já vinham ocorrendo no varejo?
A integração do digital na vida das pessoas ficou mais natural. Isso fez com que o varejo precise estar sintonizado com a integração do on e do off. Isso leva à ressignificação das lojas físicas. Houve projeções de que a loja física perderia relevância, mas isso não aconteceu. Há uma transformação. No ano passado, o saldo entre lojas físicas que abriram e fecharam no Brasil foi positivo em 204 mil. Ou seja, abriram 204 mil lojas acima do número das que fecharam. Mas também mudaram. Outro dia, falei com o CEO da Ri Happy, que é meu vizinho, e eles vão abrir uma unidade no Shopping Villalobos (em São Paulo), orientada para a experimentação, para brincar. E se algumas estão diminuindo de tamanho, outras estão aumentado, para ter espaço de estoque e virar um minicentro de entregas. A Arezzo e Vivara desenvolveram um aplicativo para que, quando a equipe de venda não esteja atendendo em loja, possa acionar uma lista de clientes no digital. É preciso utilizar essas ferramentas no ponto certo, para ser relevante sem ser invasivo, mas a integração entre on e off é muito mais complexa do que comprar na internet e buscar na loja física. A loja não perde importância, mas transforma sua função.
A opção compra no site e retirada na loja vai crescer?
Sim, porque o custo de entrega em domicílio é alto. Se o despacho é da loja, a economia chega a 50%. Com a retirada em loja, chega a 75%. Depois, há a questão da logística reversa. Nos EUA, onde é comum pedir três ou quatro peças de roupa, ficar com uma e devolver as demais, a possibilidade de reutilização dos produtos devolvidos é muito maior quando devolvido em loja, não via correio.
Quais são as consequências dessa transformação?
Embute uma perigosa tendência de consolidação e concentração. Um cenário com mais ferramentas digitais exige mais escala, construção de uma base de clientes, análise das compras com integração dos dados. Isso está distante do pequeno e médio varejista. Movimentos de aquisições e fusões formam grandes redes, que passam a ser mais fortes. Mas isso fragiliza os pequenos, extrai capacidade de competição e reduz os lojistas locais e de menor porte.
Essa consolidação ainda não está mais na expectativa do que na realidade?
O mercado de varejo ainda é muito pulverizado, mas há movimento de consolidação em educação, em saúde. Alguns chamam atenção, como a Arezzo e a Magalu, que faz um trabalho pelo digital. Vejo um movimento muito interessante da Luiza Trajano, de oferecer parceria a quem não tem capacidade de fazer frente a todos os investimentos necessários. O pequeno varejista pensa 'esse negócio não é para mim'. Aí ela faz a Caravana da Magalu e diz 'sim, é pra ti, te ajudo, te ensino'.
Qual o futuro dos shoppings nesse cenário, vão ficar fantasmas, como nos Estados Unidos?
Os shoppings vão se tornar outra coisa. Isso já começou e, aqui, vai ser menos traumático do que nos EUA. Os shoppings americanos dependem muito das lojas de departamento, como Macy's, JP Penney, Nordstrom, que ainda representam 50% da área. Não sei se tem solução para esse modelo de negócios. No Brasil, quase não existem mais lojas de departamento, e as que existem não são âncoras de shopping. Quando se fala em mix aqui, os cinemas entraram ainda nos anos 1980, depois vieram academias de ginástica, centros médicos. Os shoppings no Brasil adquiriram há mais tempo essa característica múltipla. Nos EUA, os shoppings cresceram como fenômeno suburbano, houve movimento de migração da população das cidades para os subúrbios, com boas escolas, bons clubes e bons shoppings. No Brasil, são um fenômeno urbano. E vem mudando. Um estudo da Multiplan mostrou que a alimentação hoje representa 12,9% da área locada nos seus shoppings, aumento de 4 pontos percentuais em relação há 10 anos. Shopping deixou se ser só destino de compras para virar espaço de passeio.
A questão da segurança no Brasil tem peso nessa diferença?
Sim, os shoppings aqui são oásis, ilhas de segurança. Abraçaram intuitivamente essa ideia. O sociólogo americano Ray Oldenburg escreveu que as pessoas precisam do chamado "terceiro lugar". Tem a casa, o trabalho, e o "terceiro lugar". Segundo Oldenburg, bares, cafés e restaurantes seriam esses espaços. No Brasil, os shoppings assumem esse papel. Estão deixando de ser os 'templos de consumo' para se tornar destino de entretenimento, serviços e lazer. As compras são quase uma consequência. Assim, surgem novas ancoragens, como esse novo shopping de Porto Alegre que tem o pôr do sol como âncora, outro em Canoas tem um parque com atração.
Qual o peso da concorrência de produtos importados por sites apelidados de "camelódromo virtual"?
Essa é uma bandeira do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo). Se essas empresas não pagam impostos, há uma competição desigual. Essa não é uma discussão exclusiva do Brasil, nos EUA também existe. Se algumas empresas podem operar sem pagar impostos locais, especialmente em um país com carga tributária sobre o varejo tão pesada, desequilibra o jogo. Isso ocorre com Shopee, Alibaba, Shein e algumas empresas locais. Parece que não teremos mesmo medida provisória nesse ano de eleição. Nenhum governo faria, mas a demanda do varejistas tem mérito e a pressão para que algo mude deve continuar, independentemente de qual seja o próximo governo.