Há cerca de dois meses, surgiu a informação de que o governo Bolsonaro preparava uma medida provisória para restringir a atuação no Brasil de gigantes globais de vendas online, como o tailandês Shoppe e os chineses AliExpress e Shein. Foi pouco depois, inclusive, que a especulação sobre a expansão da última no país provocou projeções de mercado preocupantes para as redes nacionais.
Como até agora nada havia acontecido, na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi questionado sobre o assunto em um evento público. Confirmou a intenção de criar um "digitax" (imposto digital). No final de semana, o presidente Jair Bolsonaro avisou: não vai ter MP para taxar os negócios apelidados de "camelódromo virtual".
Em suas redes sociais, afirmou que não assinará qualquer "MP para taxar compras por aplicativos de comércio virtual como Shopee, AliExpress, Shein, etc. como grande parte da mídia vem divulgando". A informação "da mídia" havia partido do secretário especial da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes. Em encontro com empresários, executivos e a Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, no dia 23 de março, havia afirmado que o governo trabalhava na concepção de uma MP para combater a importação de produtos sem o pagamento de impostos (clique aqui para ler a notícia da época).
Ao justificar a medida, Vieira Gomes apresentou uma justificativa formal:
— Essa prática consiste na introdução de produtos no país sem o correspondente pagamento de tributos. Nessa MP, a gente procura trabalhar tanto o fluxo financeiro, quanto o que é declarado na mercadoria, que muitas vezes não corresponde. São produtos importados. O controle é feito exclusivamente no país e a gente tem dificuldade de olhar apenas para aquilo que é declarado.
Na base da inquietação com o possível desvio tributário, está um grupo de empresários liderado por nomes como o de Luciano Hang, dono da Havan, e Alexandre Ostrowiecki, CEO da Multilaser. Associações mais formais, como o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), apontavam, ainda no final do ano passado, que o Brasil deixara de arrecadar entre R$ 95 bilhões e R$ 125 bilhões em impostos no varejo.
Conforme esse estudo, o varejo digital respondeu por cerca de 14% das vendas no Brasil, mas por ao redor de 22% da evasão de tributos. A dedução é de que a evasão de tributos é maior no online (33% a 37%) do que em lojas físicas (25% a 34%). No caso de produtos importados, subiria para entre 39% e 54%, evidenciando "novas rotas de informalidade", assim como serviços de delivery.
Mas se opera com dribles à legislação, o tal "camelódromo virtual" caiu no gosto popular, inclusive por oferecer preços mais baixos em período de inflação nas alturas. Entre a pressão de amigos e empresários e o risco da impopularidade, parece que a segunda alternativa pesou mais.