A tentativa de Jair Bolsonaro de agradar uma parte relevante de sua base eleitoral virou um acidente ambulante, que já rendeu ao Planalto ao menos cinco tiros no pé. A promessa de aumento salarial aos servidores, que começou destinado às forças policiais, foi ampliado para todo o funcionalismo e, em vez de pôr panos quentes na insatisfação, jogou óleo fervente sobre categorias já irritadas.
Conforme o secretário do Tesouro, Esteves Colnago, o reajuste exigiria R$ 6,3 bilhões caso começasse a ser pago ainda neste ano, a partir de julho, e mais R$ 12,6 bilhões para 2023 — o dobro porque seria para 12 meses.
Erro 1: a política salarial equivocada nasceu da tentativa de "fazer média" com a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e agentes penitenciários que trabalham para a União. A ideia inicial era reajustar apenas esses profissionais. A evidente discriminação entre os servidores federais, sem uma óbvia explicação — haveria alguma se fosse focada, por exemplo, para profissionais de saúde, tão demandados na pandemia — espalhou o rastilho da insatisfação em outras categorias.
Erro 2: as sucessivas confirmações do governo federal de que o reajuste - na época sem percentual definido - seria dado apenas a três carreiras, outras categorias se rebelaram. Houve debandada na Receita Federal, depois greve no Banco Central (BC) com ameaça até ao funcionamento do Pix, o que levou risco à estratégia de espalhar o boato de que o sistema de pagamentos do BC seria "extinto" em caso de eleição de um adversário.
Erro 3: diante dos riscos embutidos na mobilização de servidores estratégicos, a tática mudou. A promessa virou reajuste de 5% para todos os servidores, com salários congelados desde 2020. A repercussão foi péssima: de uma classificação educada de "insuficiente", feita pelo Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), à acusação de "desmonte" feita pelo Sindicato dos Auditores da Receita Federal (Sindifisco, clique aqui para ler).
Erro 4: diante da repercussão negativa, um gênio do Planalto teve uma ideia: além de reajustar salários em 5%, os servidores teriam mais R$ 400 em vale-alimentação (clique aqui para ler). A movimentação política — vamos dizer assim — deixa as refeições em Brasília mais caras do que a média nacional, mas convenhamos: que problema essa proposta soluciona? Nenhum. Mas era o que dava para fazer com uma reserva de R$ 1,7 bilhão já feita no orçamento.
Erro 5: depois de provocar os impactos mais sérios com sua paralisação — duas semanas sem Focus, o boletim que orienta as expectativas do mercado e preocupação sobre a reunião do Copom para redefinir a Selic, nos dias 3 e 4 de maio —, os funcionários do BC interromperam a greve por duas semanas. Mas a promessa de 5% é tão distante do pedido de recomposição salarial (27%), que a admissão de um percentual superior a 5% (para ler, clique aqui) pode virar o jogo "o céu é o limite". E o bolso do contribuinte, como sempre, é a rede de segurança.
No final de tudo, há mais um erro de princípio. Toda essa carambola foi montada com uma finalidade: evitar tocar nas chamadas "emendas de relator", também conhecidas como "orçamento secreto", consideradas "politicamente difíceis de enxugar". Só pra lembrar, são R$ 16 bilhões.