A virada no calendário costuma vir acompanhada de expectativa de novidades, e a coluna entrega a sua: uma seção novinha em folha sobre pequenos negócios do Estado que oferecem experiências agradáveis para passeio de um dia, tanto a partir de Porto Alegre quanto de cidades próximas. Muitos de nós (a jornalista que assina este espaço incluída) imaginávamos que este início de 2022 também poderia marcar a volta das viagens mais longas, mas ainda não foi desta vez. A emergência da Ômicron impôs novas restrições em vários países e, no Brasil, ainda exige cuidados. Então, o hábito de fazer jornadas curtas nos arredores precisa ser renovado. A coluna se propõe a ajudar a descobrir pequenos negócios que, pelas atrações que oferecem, acabam se transformando em grandes passeios. As primeiras trarão experiências próprias, mas até porque a economia gaúcha tem grandes atrativos locais, a seção também quer contar com a indicação de leitores. Se você conhece e quer recomendar um destino para Pequenos Negócios, Grandes Passeios, por favor, mande pelos e-mails marta.sfredo@zerohora.com.br ou camila.silva@zerohora.com.br ou deixe aqui nos comentários.
Uma queijaria deliciosa, encantadora e com história surpreendente
A descoberta da Queijaria Nova Alemanha, em Ivoti, foi totalmente casual, o que aumentou a surpresa com seus atrativos. A primeira imagem que surge, ao entrar na propriedade que fica na Estrada Presidente Lucena, é de um plácido lago cercado por ainda mais plácidas ovelhas. Só essa imagem já valeria o deslocamento que, desde Porto Alegre, de quase 60 quilômetros.
Mas, em seguida, vêm as cabras. Uma dezena de caprinos branquinhos ficam dentro de uma cerca da mesma cor, criando um cenário bucólico de filme. E tem surpresa: quando humanos se aproximam da cerca, alguns dos bichinhos mais desinibidos fazem o mesmo, para receber cafuné. A coluna só não garante que haverá cabritinhos, como os das imagens que ilustram esta nota, feitas em outubro, que até "posaram" para a foto.
Mas tinha um negócio, não tinha? Tem. A loja atual fica depois das ovelhas e das cabras, e tem vários tipos de queijo, iogurtes sem lactose e produtos artesanais de outros pequenos negócios da região, como biscoitos, salames e copas. O melhor é que não precisa comprar no escuro: há oportunidade de provar a produção de Rodrigo Aloisio Staudt desde 2008.
E a história de Rodrigo e de sua família está à altura da paisagem: começou aos 15 anos, depois de ganhar alguns animais, entre os quais uma cabra, de presente do pai, que fechou uma fábrica de calçados em Novo Hamburgo na crise do final dos anos 1990.
— Meu pai passou a trabalhar com turismo rural, tinha um pesque-e-pague. Depois de fechar a fábrica de calçados, quando eu tinha até 12 anos, ele me presenteou com uma cabra, um cavalo, para ter passatempo e responsabilidade. Com 15, passei a criar cabras. Um dia, uma precisou de veterinário, também dono de uma agroindústria que produzia queijo de cabra. Na época, só existiam duas no Estado.
Em 2008, durante outra das crises cíclicas do Brasil, a agroindústria fechou. O proprietário se dispôs a ensinar Rodrigo a fazer queijos para que ele arrendasse a fábrica. Aos 17 anos, precisava de carona da mãe entre Nova Linha, em Ivoti, e Lomba Grande, em Novo Hamburgo, porque não tinha habilitação. Ele topou, e fazia os 35 quilômetros diariamente. A irmã, Débora, era violinista e tentava entrar em uma orquestra, mas não estava satisfeita. Rodrigo a convidou para tocar o negócio.
— Meu presente de aniversário de 18 anos foi minha primeira dívida. Fui ao banco para financiar a construção de uma agroindústria, porque as instalações da que eu alugava eram antigas. O gerente gostou da minha história, eu ainda fazia o Ensino Médio. Aos poucos, construímos uma unidade de 60 metros quadrados, que só processava leite de cabra. Começamos vendendo na Feira da Redenção, aos sábados, depois um pouco para o Mercado Público — conta Rodrigo.
Em 2010, um antigo laticínio de Ivoti quebrou, e os produtores de leite de vaca foram oferecer a Rodrigo. Ele começou aos poucos, com 100 litros ao dia, e a empresa passou a crescer. Na época, diz, a produção era focada em commodities: leite de saquinho e queijos colonial e prato. Em 2014, ele e a irmã resolveram dar uma virada. O pai se aposentou, fechou o pesque-e-pague e, no quiosque que funcionava como apoio aos pescadores, os irmãos abriram uma loja.
— Decidimos fazer menos com mais qualidade. Abrimos em um final de semana, colocamos placas na estrada (existem até hoje, em novas versões, claro) para ver o que acontecia. Em um final de semana, vendemos cem quilos de queijo — relata o empreendedor, que detalha ter usado o local de vendas como um "laboratório", para ouvir os clientes.
Nascia a Queijaria Nova Alemanha, agora só com queijos especiais. Em 2018, um gouda da empresa obteve 100 pontos em um concurso. Segundo Rodrigo, foi o único que obteve essa pontuação até hoje. Deu visibilidade à marca, que se consolidou. Na pandemia, teve de desenvolver um sistema de entrega em Porto Alegre, mas também cansou de ouvir que os clientes faziam questão de ir buscar, para ver um pouco de natureza. Hoje, toda a família, inclusive a mulher de Rodrigo e o marido de Débora, trabalha na queijaria, com outros 14 funcionários.
Outro ciclo está prestes a começar: a loja vai mudar para uma casa construída em 1900 e pertencente ao bisavô de Rodrigo. A coluna, alarmada, quis saber se as cabras iriam junto. O empreendedor confirmou que já está selecionando "as mais comportadas" para ficarem perto dos clientes. Sobre o comportamento sociável de exemplares da raça saanen, explica que se deve, principalmente, a seu temperamento curioso.
Bem, se ovelhas, cabras e queijos com qualidade e preço justo não forem suficientes para rechear seu passeio, duas dicas adicionais: ali pertinho está o núcleo de casas de enxaimel de Ivoti, com sua ponte histórica, que teria sido cruzada pelo imperador Pedro II. Mas com ou sem um transeunte real, o cenário é imperial, especialmente visto ao pôr do sol, quando a luz atravessa os arcos da estrutura.
Aliás, só essa imagem já valeria os 60 quilômetros. Outra alternativa ou complemento é esticar o passeio, pela mesma estrada, até Presidente Lucena, cidade alta que oferece vistas maravilhosas para o vale.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo