Nas últimas semanas, Jaime Llopis, CEO do Grupo Cobra no Brasil e diretor-geral corporativo na América do Sul da ACS, um dos maiores conglomerados de engenharia e construção do mundo, tem intensificado sua agenda no Rio Grande do Sul. É o rosto e a voz da companhia que pretende investir cerca de R$ 6 bilhões na construção de um complexo com térmica a gás, estação regaseificadora, píer, gasoduto e linha de transmissão em Rio Grande. Caso se confirme, será um dos maiores investimentos privados recentes no Estado. Para os gaúchos, sustenta Llopis, terá "efeito transformador". O executivo nascido em Valência, na Espanha, fala português com pouco sotaque. Explica que atua no Brasil há exatos 20 anos. Formado em Direito, começou com um escritório de advocacia em São Paulo para cuidar de aspectos jurídicos de investimentos espanhóis no Brasil. Depois, virou executivo do ACS, que faturou US$ 35 bilhões em 2020. O grupo se se aproximou do Estado ao vencer o leilão de um dos principais lotes de obras de transmissão de energia, representado pela Cymi nos consórcios Chimarrão e Pampa. Nesta entrevista, Llopis detalha as expectativas sobre o investimento bilionário.
Como o Cobra se interessou pelo projeto?
O portfólio de atividades do grupo é muito amplo. Temos sido protagonistas em obras de transmissão, com o Cobra e a Cymi. Uma mudança regulatória feita há 20 anos mostrou como, com normas adequadas, o investimento avança. Mas também temos investimentos em geração, especialmente renovável, comunicações, mobilidade. Há alguns anos, conhecemos esse projeto como epecistas (empresa contratada pelo investidor para executar toda a obra). Nossa vocação principal é de construção e infraestrutura. Em uma das várias fases que teve no passado, fomos sondados por um investidor estrangeiro como potenciais epecistas. Sucessivos episódios fizeram com que não evoluísse, mas vimos que tinha muitos elementos positivos para um conjunto grande de interessados. Então começamos a conversar para tentar viabilizar. Aí se junta outra caraterística do grupo: temos atuado também como investidores. Podemos contribuir não só com experiência técnica, mas com capacidade financeira e nossa relação com agentes financeiros. Até agora, tudo está caminhando, tomara que estejamos na fase final do início. Espero que, em breve, seja possível ver máquinas funcionando lá.
Como será financiado?
É um volume alto, porque não é só a térmica. No novo design, teremos a famosa regaseificação onshore (em terra). Um dos problemas do desenho anterior era o formato ship to ship (de navio para navio, com o processo de descongelamento e descompressão do gás feito em uma embarcação ancorada no porto). Agora, teremos uma instalação pioneira no Brasil, de regaseificação em terra. Isso adiciona um capex (investimento na construção) relevante. E a decisão não é só técnica e ambiental. Também substitui um opex (custo de operação) elevado por um custo de investimento maior, mas com estrutura mais firme. Não dá para gastar em aluguel de barco. É melhor uma estrutura que fique. Então, além da térmica e da regaseificadora, teremos de instalar um píer, um gasoduto e uma linha de transmissão. É preciso construir um equipamento capaz de manter temperatura de 140ºC abaixo de zero (que transforma gás em líquido, além da pressão).
Nesta situação, com dificuldade do Brasil em relação a geração elétrica, um projeto como esse já tem capacidade de receita.
É um desafio técnico e financeiro?
Para conseguir financiamentos razoáveis no Brasil, é preciso mostrar solvência financeira, como empreendedor, e capacidade técnica, como construtor. Um elemento fundamental é perspectiva de receita. Nesta situação, com dificuldade do Brasil em relação a geração elétrica, um projeto como esse já tem capacidade de receita. Outro valor é trazer gás para o Sul do país, porque a estrutura telescópica do Gasbol (o diâmetro do gasoduto que vem da Bolívia diminui até chegar ao Estado, o que reduz o volume transportável) faz com que tudo o que chega acabe logo. Hoje o Estado não pode garantir o volume de que precisam algumas empresas intensivas em uso de gás. É uma tristeza, porque vão para outros Estados onde há gás. Outro elemento para a financiabilidade é a chegada de um volume relevante de gás para uso industrial e domiciliar em um grande área do Sul onde faz frio.
Gás natural é o fóssil que gera menos emissões, mas ainda é fóssil. É um problema?
Gás é fundamental na transição energética. Temos compromisso com desenvolvimento sustentável, mas tem uma fase que não dá para pular. O país não consegue passar da lenha ao sol. A lógica nos leva a pensar que haverá grandes players envolvidos no projeto na condição de sócios, pela pluralidade de atividades e quantidade de mercados conectados. Podemos contribuir com o crescimento que vai trazer por meio da união de sócios que compartilhem dessa forma de pensar.
Nossa vocação de investimento é de médio prazo (...). Precisamos de rotação de capital. Desenvolvemos a construção, e depois da entrada em operação, empresas tocam a atividade.
O Cobra é conhecido por construir, operar por um tempo e transferir (atividade definida pela sigla BOT, build-operate-transfer). É isso que vai ocorrer?
Sim, é uma característica nossa. Nossa vocação de investimento é de médio prazo, não somos um fundo de pensão, que fica 30 anos para receber dividendos. Precisamos de rotação de capital. Desenvolvemos a construção e, depois da entrada em operação, empresas tocam a atividade. Mas o Cobra não está no desespero de tempo em qualquer fase posterior à construção. Trabalhamos para que o licenciamento conclua com total satisfação para todos, o órgão ambiental, o Estado, o município, os conselhos de meio ambiente da região e as comunidades locais. Temos audiência pública no dia 22. Todos os esforços agora estão focalizados nessa fase, para garantir que todos estejam confortáveis. Há um potencial enorme de desenvolvimento. Esperamos que, no início do próximo, comece para valer.
Quais são os parceiros potenciais?
Não podemos comentar, mas há alguns naturais nos segmentos diretamente envolvidos. Pode ter certeza de que conversas ocorrem nível mais alto. Não temos, neste momento, avanços suficientes para mencionar, mas há boa perspectiva. Temos largo histórico de projetos dessa natureza bem-sucedidos no Brasil, o que dá confiança a todos.
Não teríamos nos envolvido se houvesse dúvida sobre a viabilidade ambiental.
Há perspectiva de dificuldades na audiência?
Sinceramente, não. Quero agradecer à Fepam pela alocação de recursos, entendeu que era algo transformador para o Estado. Agiu de forma proativa, indicando o que precisava de atenção. Não teve a atitude passiva de receber os dados e, depois de um tempo, adotar uma posição. Indicou onde tínhamos de trabalhar mais e alocamos os recursos necessários. Chegamos a um ponto em que todos têm certeza de que não há problema. Não teríamos nos envolvido se houvesse dúvida sobre a viabilidade ambiental. Nossa intenção não é fazer algo meia boca. É óbvio que não basta o Jaime chegar lá e dizer 'não tem problema ambiental'. É preciso estudar e comprovar. É impecável do ponto de vista ambiental. Não só não traz risco, como mitiga os existentes. Temos um bom trabalho do ponto de vista socioambiental. Trazemos nova perspectiva ao Estado.
Já existe tratativa com a Aneel para negociar a outorga definitiva?
Um dos aspectos que nos atraiu é de solucionar muitas questões, de segurança energética a desenvolvimento econômico e social. Também resolve essa pendência da Aneel. Se o projeto não for desenvolvido, haverá disputa judicial por décadas, porque o processo administrativo que cassou a concessão teve decisões contestadas. A ação judicial trouxe bastante luz a esse aspecto. Se formos capazes de viabilizar, tudo se resolve. A ideia é que a Aneel receba o que foi licitado em 2014. Nosso papel é facilitar que todos entendam que o melhor é resolver questões judiciais que não beneficiam ninguém. Paralisariam ou inviabilizariam algo similar no sul do Estado.
A nova situação dá muito mais credibilidade. Assim, a Aneel e o proprietário anterior podem resolver as pendências.
Significa que, se o projeto sair, haverá remuneração ao antigo controlador, que se comprometeria a encerrar a disputa judicial?
A lógica é essa. O empreendedor original defende seu direito de executar. O Cobra não está envolvido na ação. A nova situação dá muito mais credibilidade. Assim, a Aneel e o proprietário anterior podem resolver as pendências. Essa é a grande solução pela qual vamos trabalhar.
Se tudo se resolver, qual a projeção de início?
De imediato. Um mês depois da licença, queremos começar a terraplenagem. Temos de construir um píer, não contemplado no cronograma, exige prazo maior. Pensamos que seria possível começar ainda neste ano, mas não vai dar. Começa no primeiro trimestre de 2022, sem dúvida.
É possível projetar o final?
Algo entre três e quatro anos. Tomara que as circunstâncias permitam que comece o mais rapidamente possível. Outras indústrias do porto devem ter seus próprios planos de expansão, porque a falta de energia criou demanda reprimida de investimentos. Com energia e gás disponíveis, as empresas vão enxergar suas ampliações de outra forma.
Temos atitude de transparência porque acreditamos na importância do projeto para o Rio Grande do Sul.
Quer acrescentar algo?
Temos atitude de transparência porque acreditamos na importância do projeto para o Rio Grande do Sul. Recebemos apoio do prefeito de Rio Grande, Fabio Branco, e do superintendente dos Portos, Fernando Estima. Esse não é um projeto do Cobra, vem do passado, é um bom exemplo do empreendedorismo gaúcho. Estamos contribuindo para trazer um projeto do passado e projetar o futuro. Queremos agregar todos os que têm legítimo interesse em que seja concretizado.