A data marcada para a audiência pública do processo de licenciamento da UTE Rio Grande pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) é meio caminho andado para tirar da prateleira das longas novelas gaúchas um investimento de US$ 1,1 bilhão.
Mas há um novo - e possivelmente definitivo - desafio: a decisão judicial que resgatou a outorga (veja detalhes abaixo) exige início das obras até 26 de dezembro. Com a audiência marcada para 22 de dezembro, não será possível. Então, agora o desafio é convencer o Judiciário de que vale a pena esperar mais um pouquinho para tentar viabilizar um projeto estratégico para o Estado.
Conforme o superintendente do Porto de Rio Grande, Fernando Estima, o encaminhamento do licenciamento será o argumento para justificar que o adiamento, desta vez, não será por período muito longo. Quem conhece os processo da Fepam avalia que a convocação da audiência pública é mais um indício de que o órgão que dá a palavra final está convencido de que o projeto é ambientalmente viável, como havia sinalizado à coluna a presidente da Fepam, Marjorie Kauffmann.
Interlocutores dos novos investidores — o grupo espanhol Cobra — asseguram que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já não teria objeções à renovação judicial da outorga. Até antes da crise energética, havia desconforto na direção da agência reguladora em relação ao processo judicial. A coluna apurou que a posição é a mesma de agosto: "depois de superar a questão ambiental, ainda há uma questão técnica regulatória a ser superada na Aneel".
A aposta dos interessados em resgatar o projeto é de que a Aneel não teria interesse em barrar a construção de uma usina com gás natural, o menos poluente dos combustíveis fósseis, que gera a chamada "energia firme" (não depende de fatores climáticos, como vento, chuva e sol), em meio a uma grande crise energética no país.
Quem são os espanhóis
O Cobra faz parte de um megaconglomerado espanhol, a ACS, considerada a maior construtora fora da Ásia. Tem também sob seu guarda-chuva a Cymi, parte do consórcio Chimarrão, que executa obra de transmissão de energia de R$ 2,4 bilhões no Estado, em parceria com o fundo canadense Brookfield.
O Cobra é especializado no método BOT (build, operate and transfer), ou seja, constrói, opera por algum tempo e vende negócios industriais. No Brasil, está construindo como epecista (responsável pela obra, mas não como investidor) a térmica Marlim Azul, em Macaé (RJ), que vai usar gás do pré-sal, para Pátria Investimentos, Grupo Shell e Mitsubishi Hitachi Power Systems (MHPS), que estão investindo R$ 700 milhões.}
Conforme informações de mercado, o grupo espanhol poderia erguer a usina com recursos próprios, mas precisaria ter em vista um possível comprador para o futuro, que poderia ser o grupo que vencesse a privatização da Sulgás.
A novela da UTE Rio Grande
O projeto da UTE Rio Grande nasceu em 2008, no governo Yeda Crusius. A usina tem capacidade para gerar 1.238 megawatts (MW), suficiente para abastecer cerca de 30% do consumo no Estado, com investimento de US$ 1,1 bilhão. Teve geração futura de energia comprada em leilão público em 2014 e deveria ter começado a operar em 2019.
Prevê recebimento de gás natural liquefeito (GNL) por navios, que se acoplariam a uma unidade de regaseificação que devolveria o combustível ao estado gasoso. A transformação em líquido, por redução de temperatura e aumento da pressão, facilita o transporte, mas é necessário recuperar o estado natural para consumo.
A UTE Rio Grande travou na liberação ambiental, ante a objeção do Ministério Público Federal em Rio Grande à instalação de um terminal flutuante para descarregar e regaseificar o GNL. Com a entrada dos espanhóis, isso mudou. Agora, o terminal será em terra firme, em uma área do Porto de Rio Grande que já está reservada.
Como deveria ter começado a operar em 2019, a Aneel cassou a outorga, ou seja, a autorização para construção pelo sistema que garante a venda da energia no chamado "mercado cativo", ou seja, pelas concessionárias de distribuição de energia. Isso é importante porque significa que a geração da UTE Rio Grande teria clientes certos.
Uma decisão judicial devolveu ao projeto a autorização para construção (outorga) cassada pela Aneel no ano passado. O grupo Bolognesi se afastou definitivamente do projeto, agora a cargo do conglomerado espanhol Cobra, parte da gigante ACS.