No dia em que o governo Bolsonaro decidiu começar o racionamento de energia no país, pela redução compulsória no consumo em prédios públicos federais, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontou "degradação nas condições de afluência, em especial nas bacias do subsistema Sul". Tradução: choveu ainda menos do que em 2020, o que limita a operação das hidrelétricas na região.
Por isso, o abastecimento elétrico de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul vai precisar do socorro do Nordeste, onde há sobra de geração graças às usinas eólicas e solares que proliferaram na região nos últimos anos, enquanto o Estado enfrentou restrições a projetos.
— A chuva da região Sul não apareceu dentro do esperado, mas a gente consegue atender via energia acumulada no Nordeste, onde as usinas eólicas e solares estão batendo recordes atrás de recordes de geração — disse o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, na quarta-feira (26), quando detalhou medidas para enfrentar o que apontou como "relevante piora de cenário" da crise energética.
Em julho, o volume de água armazenado nas hidrelétricas do Sul foi o "pior" (é assim que o órgão qualifica, o que significa mais baixo) da série histórica de 91 anos. E conforme as projeções do ONS, a quantidade de chuva na região, que em agosto está em 44% da média histórica, vai cair para 34% em setembro, 19% em outubro e 19% em novembro.
Além da ironia de precisar ser "socorrida" pela região para a qual perdeu projetos, que a coluna ainda vai abordar em profundidade logo mais, a energia terá de percorrer cerca de 4 mil quilômetros em linhas de transmissão já submetidas a condições críticas de equilíbrio entre oferta e demanda para que a gente possa acender a luz no Sul. Isso vai onerar ainda mais a conta de luz, porque vai aumentar um dos vários custos, o da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST).
Esse tipo de situação está previsto no próprio desenho do Sistema Nacional Interligado (SIN), mas não é o mais racional nem o mais eficiente. Em resposta à consulta da coluna, o ONS confirmou que "no momento, o Nordeste está produzindo excedente de energia por conta dos ótimos resultados das renováveis, então essa energia entra no SIN e é distribuída para todo país".
Mesmo prevista, essa situação não é usual. Tanto que, para "ampliar a utilização dos excedentes energéticos das regiões Norte e Nordeste com alocação nas regiões Sul, Sudeste/Centro-Oeste", como afirma a nota técnica, o ONS precisa de uma "flexibilização do critério de segurança elétrica". Isso não quer dizer que o risco passa a ser altíssimo, mas que a operação será feita com nível de exigência menor.
Conforme o ONS, a flexibilização significa passar do atual critério de confiabilidade que considera a proteção do SIN contra perdas duplas de linhas de transmissão (N-2) para o que considera apenas a proteção face a perdas simples (N-1). Clique aqui para ler a íntegra da nota técnica do órgão que administra o abastecimento no Brasil.