A coluna já havia sido provocada a abordar a nova tentativa de retomada do projeto de implantação de uma térmica abastecida a gás natural liquefeito em Rio Grande, mas depois de tanta expectativa frustrada, acenar com mais uma possibilidade de sobrevida exigia sinais palpáveis.
Foi o que surgiu com a movimentação do processo na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel): a UTE Rio Grande, que havia naufragado, passa por uma tentativa de resgate. E o valor do investimento para gerar 1.238 megawatts (MW), fixado em US$ 1,1 bilhão, cresceu com a variação do dólar e já está em R$ 5,2 bilhões.
Há pouco mais de um mês, um liminar concedida em primeira instância e referendada em análise monocrática no Tribunal Regional Federal da 4º Região (TRF4) devolveu ao projeto a autorização para construção (outorga) cassada pela Aneel no ano passado. O grupo Bolognesi se afastou definitivamente do projeto, agora a cargo do conglomerado espanhol Cobra.
Ainda existem dois obstáculos no caminho da UTE Rio Grande: uma decisão colegiada do TRF4 e o licenciamento ambiental na Fepam. Para facilitar a ultrapassagem do segundo, o Cobra realmente mudou o projeto, como previsto: em vez de um terminal flutuante de regaseificação, como existe no Rio de Janeiro, em Salvador e está em implantação em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul haveria uma área terrestre para a transformação.
O Cobra faz parte de um megaconglomerado espanhol, a ACS, considerada a maior construtora fora da Ásia. Tem também sob seu guarda-chuva a Cymi, parte do consórcio Chimarrão, que executa uma obra de R$ 2,4 bilhões no Estado no segmento de transmissão de energia, em parceria com o fundo canadense Brookfield.
A complementariedade entre as operações no Rio Grande do Sul pode aumentar com a privatização da Sulgás. A compradora de metade da Gaspetro — portanto de metade da Sulgás — é a Compass, parte da gigante Cosan. O Cobra é especializado no método BOT (build, operate and transfer), ou seja, constrói, opera por algum tempo e vende negócios industriais.
Conforme informações de mercado, o grupo espanhol poderia erguer a usina com recursos próprios, mas precisaria ter em vista um possível comprador para o futuro, que poderia ser a Compass. O Cobra está construindo a térmica Marlim Azul, em Macaé (RJ), que vai usar gás do pré-sal, para Pátria Investimentos, Grupo Shell e Mitsubishi Hitachi Power Systems (MHPS), que estão investindo R$ 700 milhões na obra.
O governo do Estado tem grande interesse no projeto, que abre a perspectiva de arrecadação anual ao redor de R$ 400 milhões em ICMS, quando a usina operar a pleno. A potência da usina é considerada suficiente para abastecer cerca de 30% do consumo de energia no Estado. Pelos termos autorizados judicialmente até agora, o licenciamento teria de ser concluído até 5 de novembro, e as obras precisariam iniciar até 26 de dezembro deste ano. O início de operação está previsto para maio de 2024.
Uma novela sem final
O projeto da UTE Rio Grande foi esboçado ainda em 2008, no governo Yeda Crusius. Teve geração futura de energia comprada em leilão público em 2014 e deveria ter começado a operar em 2019. Prevê recebimento de gás natural liquefeito (GNL) por navios, que se acoplariam a uma unidade de regaseificação que devolveria o combustível ao estado gasoso. A transformação em líquido, por redução de temperatura e aumento da pressão, facilita o transporte, mas é necessário recuperar o estado natural para consumo.
A UTE Rio Grande travou na liberação ambiental, ante a objeção do Ministério Público Federal em Rio Grande à instalação de um terminal flutuante para descarregar e regaseificar o GNL. Com a queda drástica no preço desse combustível no mercado internacional, por efeito do shale gas, o projeto voltou a atrair interesse.