Se uma rede nacional vender um iogurte estragado e causar problemas a um morador no Rio Grande do Sul, poderá pagar multa de R$ 13 mil por violar o direito do consumidor. Se fizer o mesmo no Espírito Santo, a punição sobe a R$ 147 mil.
Essa diferença chamou a atenção da advogada Flávia do Canto Pereira, que fez sua tese de doutorado sobre o assunto, agora transformado em livro. Com a experiência no comando do Serviço de Proteção ao Consumidor (Procon) de Porto Alegre entre 2012 e 2014, e do Estado, 2015 a 2017, observou a falta de critérios uniformes para definir as multas.
— Não existe uma legislação específica com critérios de dosimetria para aplicação das penalidades. Nos Estados que têm legislação específica, há uma portaria que traz uma formula de cálculo que usa critérios que não são justos, são dissonantes com outros Estados e municípios — detalha Flávia.
Uma das consequências dessa situação, pondera, é que empresas com departamento jurídico organizado conseguem facilmente driblar as punições, enfraquecendo os Procons e o próprio Código de Defesa do Consumidor, que existe desde 1990.
Flávia pesquisou as legislações estaduais, os poderes e as competências dos Procons em cada região e como as divergências provocam insegurança jurídica para quem quer investir num determinado local e podem inviabilizar negócios, além de prejudicar os consumidores.
— Um dos problemas é a possibilidade de lucro com o ilícito. Grandes grupos empresariais, muitas vezes, aproveitam a diferença de critérios para praticar infrações com o menor risco financeiro. Em muitos casos, é menos oneroso assumir o risco do que cumprir a lei.
Embora o Rio Grande do Sul tenha uma portaria fixando critérios, mas não considera a gravidade da infração, a vantagem obtida e a condição econômica da empresa. Não diferencia as empresas por faturamento, apenas por porte.
— Por exemplo, donos de lojas diferentes de uma mesma franquia são punidos com penalidades iguais, mesmo que um fature três vezes mais que o outro. As empresas observam essa situação e a fiscalização não assusta mais. A multa tem caráter pedagógico. Dessas forma, não tem pedagogia nenhuma — lamenta.
Flávia observa que há uma lei tramitando no Congresso com definição de dosimetria para que todos os Procons usem os mesmos critérios. O problema é que baseia as multas no salário mínimo, ou seja, com valores muito baixos, que também não serão pedagógicos. A advogada diz que seu livro, Proteção Administrativa do Consumidor, ajudou no debate sobre o tema.
— Essa situação acaba enfraquecendo o sistema por falta de critério e contribui para ilicitude das empresas. Mas tem saída para tudo. Uma é utilizar a portaria da Secretaria Nacional do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça e fazer convênios com os Estados, da forma como ocorre com o ICMS — sugere Flávia.