A coluna havia advertido que esta seria uma das reuniões mais difíceis do dos últimos anos do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), mesmo antes da sugestão de alta de 3 pontos percentuais de uma vez só.
Nesta quarta-feira (27), o Copom decidiu pela cautela, ao elevar a taxa em 1,5 ponto percentual, para 7,75% ao ano.
Mais do que a decisão, chamou atenção um trecho do comunicado do BC, que "passa um pito" na decisão do governo Bolsonaro de romper o teto de gastos:
"Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação, aumentando a assimetria altista no balanço de riscos. Isso implica maior probabilidade de trajetórias para inflação acima do projetado de acordo com o cenário básico."
É praticamente o que disseram 11 entre 10 economistas, mas a expressão "questionamento ao arcabouço fiscal" vai doer no ministro da Economia, Paulo Guedes. Na sexta-feira (22), Guedes gastou saliva tentando dizer que não havia mudança na "arquitetura" e culpou a imprensa por passar essa impressão. É bom lembrar que o BC que tomou essa decisão é, pela primeira vez desde a ditadura militar, uma instituição autônoma. Na prática e em bom português, seu presidente não pode ser demitido pelo ministro da Economi ou pelo presidente Jair Bolsonaro.
O cenário, que já era difícil, ficou ainda mais complexo com a decisão do governo Bolsonaro de romper o teto de gastos, que elevou projeções para o câmbio e a inflação. Além disso, o IPCA-15 de outubro veio muito acima das estimativas, mostrando que o dragão que o BC tem de domar está mais forte do que nunca no período pós-Real.
A tese de José Marcio Camargo, economista-chefe da corretora Genial e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, era de que o BC precisa dar um "choque de juro" para recuperar a credibilidade. Ponderou que o mais importante não era um "número mágico", mas uma "mensagem forte" de que não vai tolerar risco inflacionário. A coluna perguntou a Camargo se o conjunto de alta e comunicado eram "fortes", ele disse que não:
– Foi bem fraca. A inflação está acima da meta e as expectativas estão se deteriorando
Não foi exatamente uma "mensagem forte", mas foi bem avaliada por muitos economistas. Para Aod Cunha, ex-secretário da Fazenda do Estado, ficou "de bom tamanho". A coluna quis saber se vai dar conta de frear a inflação:
– Tudo dependerá do comportamento do IPCA daqui pra frente e principalmente do tema fiscal. Por ora, está na conta mais uma elevação de de 1,5 pp (em dezembro) e mais duas de 1 ponto em 2022. Mas se continuarem a abrir outros rombos no teto de gastos, talvez o BC tenha que acelerar mais.
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim, observa que nesta frase do comunicado "neste momento, o cenário básico e o balanço de riscos do Copom indicam ser apropriado que o ciclo de aperto monetário avance ainda mais no território contracionista", é possível projetar Selic de dois dígitos em 2022, possivelmente perto de 11%.
Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, a decisão veio "dentro das expectativas majoritárias", até porque se o BC subisse mais, reconheceria que estaria muito "atrás da curva" - expressão usada no mercado para caracterizar uma Selic baixa para juros futuros altos:
– Fica claro que o BC está muito preocupado com 2022, que tem expectativa de inflaçã0 de 4,4% e teto da meta é de 5%. O BC não pode vacilar, se não vai perder mais uma vez o teto da meta.
Os principais índices de inflação
IGPs: Índices Gerais de Preços, calculados pela Fundação Getulio Vargas. Têm três variações, IGP-M, IGP-DI e IGP-10, com diferença apenas no período de apuração. Cada um é composto por três subíndices: Índice de Preços no Atacado (IPA), com peso de 60%, Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%, e Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), com peso de 10%.
IPCA: Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, calculado pelo IBGE, é considerado o índice oficial do Brasil porque serve de referência para o Banco Central. Mede a variação de preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e 40 salários mínimos. É calculado duas vezes ao mês, uma com o resultado dos 30 dias encerrados na metade do período, o IPCA-15, e outra com o resultado "cheio", de 1º a 30 de cada mês.
INPC: Índice Nacional de Preços ao Consumidor, também do IBGE, mede avariação nos preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e oito salários mínimos. É a referência para negociações de reajustes salariais.
IPCs: Índices de Preços ao Consumidor calculados pela FGV, tem quatro variações, entre as quais a mais conhecida é o IPC-S.