Este setembro que marcou os 20 anos do atentado às Torres Gêmeas também assinala os 13 anos da segunda maior crise financeira da história — só atrás da de 1929 —, a da bolha imobiliária de 2008, associada à quebra do banco Lehman Brothers no dia 15.
E há temor que outra semelhante esteja em curso, relacionada à Evergrande, a segunda maior incorporadora imobiliária da China, que tem dívidas de US$ 300 bilhões (saiba mais sobre a empresa abaixo).
O grande debate é se uma eventual quebra da Evergrande será um "evento Lehman", ou seja, capaz de arrastar consigo boa parte do mercado financeiro. Há medo porque, caso a megaincorporadora descumpra compromissos financeiros, pode deixar investidores e bancos com pendências de dezenas de bilhões de dólares. Daí viria o risco de contagiar mercados mundiais.
Só o temor de que isso possa ocorrer fez a bolsa perder mais de 3% durante o dia, embora tenha fechado com queda de 2,3%, com recuperação no final do pregão, e o dólar subir 1,3%, para R$ 5,352, nesta segunda-feira (20). Entre os investidores da Evergrande estão gigantes como a seguradora Allianz, a gestora de fundos emergentes Ashmore e o fundo trilionário BlackRock.
Os temores sobre a situação da Evergrande se arrastavam há alguns dias, mas nesta segunda-feira (20) se manifestaram em forma de queda generalizada nas bolsas ocidentais porque era a data de vencimento de um dos compromissos da incorporadora. O valor do dia não era conhecido, mas já tem data para um novo estresse: até quinta-feira (23), Evergrande precisa pagar US$ 83,5 milhões só de juro de uma dívida.
Um dos motivos para a tensão nos mercados é a falta de sinais claros do governo chinês sobre o problema. Analistas do Goldman Sachs pedem que as autoridades locais enviem "mensagem mais clara" sobre o que planejam fazer para evitar que a situação provoque "impactos significativos".
Como descreve o economista Rodrigo Zeidan, professor de Finanças e Economia em Xangai, em um longo fio no Twitter, o risco de a Evergrande ser a primeira de muitas empresas chinesas a quebrar é real, inclusive porque se desconhece a qualidade dos ativos da empresa. Mas pondera uma eventual quebra não vai colapsar o sistema financeiro global — como ocorreu com o Lehman —, exatamente porque o da China não está integrado ao resto do mundo. A moeda local, o yuan, tem câmbio fixo. Mas reflexos internacionais, para além de um dia ruim nos mercados, não estão descartados.
Tudo depende, segundo Zeidan, de como o sistema regulatório chinês vai atuar. Ele considera provável uma intervenção para evitar quebradeira. Apesar de contestar o senso comum de que a China é excessivamente endividada, Zeidan reconhece a falta de informações claras sobre a situação da empresa para avaliar o tamanho do problema. Seja qual for, avalia, o Banco Popular da China tem "bala na agulha" para conter.
Mas lembra que nem a poderosa China controla a reação dos agentes econômicos, no país e no mundo. Se o mercado travar, a economia, que mal se recupera da pandemia, pode entrar em recessão, o que agravaria problemas financeiros. Se isso ocorrer, o efeito sobre o Brasil viria pela via do comércio internacional:
— Não teremos crise financeira global. Entretanto, isso não quer dizer que será uma marolinha se o pior acontecer.
O que é a Evergrande
A China Evergrande Group foi fundada em 1996 na cidade chinesa de Shenzhen, vizinha a Hong Kong. Seu principal negócio é a incorporação, isto é, comprar terrenos e construir complexos habitacionais. Seu fundador, Hui Ka Yan, é um ex-operário siderúrgico que pegou carona na expansão imobiliária deste início de século. Com fortuna estimada em US$ 30 bilhões, é o terceiro mais rico da China. A empresa fez cerca de 1,3 mil complexos em 280 cidades e tinha planos para outros 3 mil. Além da atividade principal, o grupo tem negócios de comida e água engarrafada, veículos elétricos, parques temáticos e um serviço de TV por streaming com cerca de 40 milhões de clientes, além de um time de futebol profissional.
A escalada de preocupação com a "bolha imobiliária chinesa" foi reforçada pelo vídeo (abaixo) que viralizou no final de agosto. Mostra a implosão de 15 edifícios inacabados de outra incorporadora (Kunming Xishan Land and Housing Development and Operation) que não havia conseguido completar a obra e abandonou a construção por tanto tempo que os prédios se tornaram inaproveitáveis.