Enquanto busca desesperadamente evitar providências mais drásticas, o governo Bolsonaro já trabalha com a hipótese de adotar "programa de racionalização compulsória do consumo de energia elétrica" – em bom português, racionamento.
Essa possibilidade está prevista em uma minuta (primeira redação) de uma medida provisória que envolve outras polêmicas, como criação de um novo órgão que vai ser sobrepor à Agência Nacional de Águas e ao Ibama na decisão sobre o uso da água.
No final de semana, as informações sobre essa minuta eram desencontradas. Uma versão mencionava a criação do programa de racionamento, outra sustentava que se tratava apenas de medidas que buscavam evitar essa condição. A colunista Ana Flor, do G1 e da GloboNews, obteve uma cópia da minuta da MP. Meio escondida no texto, no parágrafo segundo do artigo quarto, está lá:
"Sem prejuízo de medidas de outra natureza, as determinações de que trata o caput poderão compreender o estabelecimento de programa prioritário de termeletricidade e de programa de racionalização compulsória do consumo de energia elétrica."
Como uma minuta é uma primeira redação, o programa pode ou não estar na versão definitiva que será encaminhada ao Congresso, mas é importante saber que parte do governo já considera a necessidade de avançar para o corte compulsório, como ocorreu no no Brasil em 2001, com exceção da Região Sul.
A essa altura é bom lembrar a diferença entre "racionamento" – redução obrigatória, mas programada, no consumo – e "apagão" – cortes inesperados no fornecimento, que podem ser causados por fatores climáticos, acidentes ou falta de potência no sistema para sustentar a carga. A crise de abastecimento de 2001 acabou sendo conhecida como "apagão", mas foi caracterizada, de fato, por um racionamento.
O problema de falta de água nos reservatórios das hidrelétricas é agudo até outubro, quando começa o período de chuva na região Centro-Oeste/Sudeste, onde se concentram as maiores hidrelétricas do Brasil. Há poucas soluções que possam ser adotadas nesse curto prazo. O Ministério de Minas e Energia tenta localizar usinas disponíveis que não estejam contratadas, mas são raras e, quando existem – caso da UTE Uruguaiana –, não têm combustível para operar. Também tenta negociar com a indústria uma forma de deslocar a produção do horário de pico, quando o risco de apagões seria maior.
Atualização: no final da tarde desta terça-feira (15), depois de uma reunião com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que as medidas do racionamento devem ser "mais ou menos parecidas com as de 2001". Na época, cada unidade consumidora tinha de cortar 20% em relação aos meses anteriores, sob pena de multa. Segundo Lira, não se falou em "apagão" (o corte imprevisto) mas em "racionamento" (o corte programado obrigatório).
Leia a íntegra da minuta da "MP do Apagão"
MEDIDA PROVISÓRIA No xxx, DE xx DE JUNHO DE 2021
Institui a Câmara de Regras Operacionais Excepcionais para Usinas Hidrelétricas (CARE), tendo em vista a atual situação de escassez de água e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1º Fica instituída a Câmara de Regras Operacionais Excepcionais para Usinas Hidrelétricas _ CARE, com o objetivo de estabelecer, excepcionalmente, limites de uso, armazenamento e vazão das usinas hidrelétricas, com o propósito de otimizar a utilização dos recursos hídricos disponíveis para enfrentar a atual situação de escassez hídrica.
§ 1º A primeira reunião da CARE ocorrerá no prazo máximo de 3 dias úteis a contar da publicação desta Medida Provisória, ocasião na qual serão estabelecidas as regras de funcionamento da Câmara.
§ 2º As decisões da CARE obedecerão às prioridades de que trata o inciso III do art. 1º da Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, e os efeitos sobre a confiabilidade do sistema elétrico em âmbito nacional.
Art. 2º À CARE compete:
I _ decidir pela modificação excepcional e temporária das restrições operativas das usinas hidroelétricas no território nacional visando garantir a governabilidade (ou gestão) dos reservatórios das usinas hidrelétricas;
II - estudar e aprovar soluções temporárias ou definitivas que permitam atenuar o impacto das modificações de que trata o inciso I deste artigo sobre os demais usuários de recursos hídricos, particularmente os impactos causados por modificações de vazões em trechos de rios e de níveis de água nos reservatórios;
III - definir o órgão ou a entidade da Administração Pública Federal, direta ou indireta, ou a instituição do setor elétrico regulada e instituída por lei, responsável pela implantação das ações necessárias para a mitigação de impactos de que trata o inciso II, de acordo com suas competências;
IV - articular-se com os Poderes da União e dos demais entes federados objetivando a implantação das providências determinadas pela CARE.
§ 1º As solicitações e determinações da CARE aos órgãos, entidades e instituições de que trata o inciso III deste artigo serão atendidas em caráter prioritário, no prazo por ela assinalado.
§ 2º As modificações de que trata o inciso I deste artigo, considerando os limites de uso, armazenamento e redução de vazões em corpos hídricos, deverão:
I - observar que as vazões reduzidas sejam maiores do que as que ocorreriam em condições naturais, caso não existissem barragens na bacia hidrográfica; e
II _ ser implementadas no prazo assinalado pela CARE.
§ 3º Os órgãos ou entidades responsáveis pelo licenciamento ambiental de usinas hidrelétricas e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) deverão indicar à CARE as medidas de monitoramento, mitigação e compensação para os impactos ambientais e de uso múltiplo dos recursos hídricos dos trechos de rios afetados pela redução de vazão de que trata o § 2º deste artigo no prazo assinalado pela CARE.
§ 4º Os custos incorridos pelos concessionários de geração de energia elétrica para a implementação das medidas de monitoramento e mitigação dos impactos ambientais, decorrentes das ações que trata o inciso II deste artigo, que não forem cobertos pelos termos dos contratos de concessão, poderão ser arcados pelos agentes do Setor Elétrico e arrecadados por meio dos Encargos de Serviço do Sistema _ ESS de que trata o §10 do Art. 1º da Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004, desde que reconhecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
Art. 3º A CARE é composta pelos seguintes membros:
I - Ministros de Estado:
a) de Minas e Energia, que a presidirá;
b) Chefe da Casa Civil da Presidência da República, o seu vice-presidente;
c) do Desenvolvimento Regional;
e) do Meio Ambiente;
f) da Infraestrutura; e
f) Advogado-Geral da União;
II - Dirigentes máximos das seguintes entidades:
a) Agência Nacional de Energia Elétrica;
b) Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico; e
c) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis;
III - Diretor-Geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico;
IV _ Presidente da Empresa de Pesquisa Energética; e,
V - Outros membros designados pelo Presidente da República.
§ 1º Somente os Ministro de Estado terão direito a voto nas decisões da CARE.
§ 2º Poderão ser convidados a participar das reuniões da CARE técnicos, autoridades e representantes de órgãos e entidades públicos e privados.
§ 3º A Secretaria de Comunicação de Governo da Presidência da República e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República prestarão assessoramento à CARE.
§ 4º O Presidente da CARE poderá praticar os atos previstos no art. 2º ad referendum da Câmara.
§ 5º A Secretaria-Executiva da CARE será exercida pelo Ministério de Minas e Energia.
§ 6º O Presidente da CARE poderá requisitar, sem prejuízo dos direitos e das vantagens a que façam jus nos respectivos órgãos e entidades de origem, servidores e empregados públicos, da Administração Pública Federal, direta e indireta, para auxiliar os trabalhos da Câmara, nos termos da Lei nº 9.007, de 17 de março de 1995.
Art. 4º. As deliberações emanadas pelo Comitê de Monitoramento do Sistema Elétrico _ CMSE, instituído pelo art. 14 da Lei nº 10.848, de 2004, a partir da publicação desta Medida Provisória e até 30 (trinta) de dezembro de 2021, terão caráter determinativo para os órgãos, entidades e instituições de que trata o inciso III do art. 1º e para os concessionários e autorizados dos setores de energia elétrica e petróleo e gás natural e biocombustíveis.
§ 1º Os custos incorridos pelos concessionários e autorizados dos setores de energia elétrica e petróleo e gás natural e biocombustíveis para a implementação das medidas decorrentes das determinações de que trata o caput, que não forem cobertos pelos termos dos contratos de concessão e de autorização, poderão ser arcados pelos agentes do Setor Elétrico e arrecadados por meio dos Encargos de Serviço do Sistema _ ESS de que trata o §10 do Art. 1º da Lei nº 10.848, de 2004, desde que reconhecidos pela agência reguladora competente.
§ 2º Sem prejuízo de medidas de outra natureza, as determinações de que trata o caput poderão compreender o estabelecimento de programa prioritário de termeletricidade e de programa de racionalização compulsória do consumo de energia elétrica.
§ 3º As contratações decorrentes de eventual programa prioritário de termeletricidade, previsto no § 2º deste artigo, ocorrerão nos termos dos arts. 3º e 3º-A da Lei nº 10.848, de 2004.
Art. 5º. A CARE será extinta em 30 (trinta) de dezembro de 2021.
Parágrafo único. As ações de médio e longo prazo definidas pela CARE deverão ser implementadas mesmo após sua extinção pelos órgãos, entidades e instituições de que trata o inciso III do art. 1º, a quem a CARE atribuir essa competência.