O Brasil já passou pelo constrangimento de apresentar na Cúpula do Clima convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, um ministro do Meio Ambiente que, dias antes, havia sido acusado de advocacia administrativa pelo superintendente da Polícia Federal (PF) no Amazonas à época, Alexandre Saraiva. E mais perto ainda da volta oficial da agenda do clima ao topo das prioridades globais, o denunciante havia sido demitido do cargo.
O episódio que envolve Saraiva é a origem da operação da PF desta quarta-feira (19),. Para quem não está familiarizado com o linguajar, "advocacia administrativa" é o crime que descreve a defesa de interesses privados específicos no setor público.
A desfaçatez com que um superintendente da PF foi desligado do cargo em circunstâncias tão específicas e em momento tão delicado para a imagem já deteriorada do Brasil na área ambiental assombrou até aliados do governo. O mínimo a ser feito, ponderaram assessores à época, era ter esperado passar a cúpula para afastar Saraiva, para ficar "menos feio". Para lembrar, o delegado afastado do cargo depois de acusar Salles não é "comunista" ou "esquerdopata", mas um bolsonarista próximo da família.
Levou quase um mês, mas a PF deu o troco. Depois de aprender que acusações como "advocacia administrativa" ou "rachadinha" tem nomes até bonitos e não são entendidas pela população, a Operação Akuanduba tornou mais clara a suspeita sobre Salles: "grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais" é o termo da representação feita ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou os pedidos de buscas e apreensão.
Ainda cita "grave esquema criminoso de caráter transnacional" e diz” e afirma ser "evidente que o interesse privado de alguns poucos empresários, reincidentes na prática de infrações ambientais (…) foi colocado à frente do interesse público". Mais claro, impossível.
A operação, em um dia que já seria tenso devido ao depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, à CPI da Covid, torna a manutenção de Salles no cargo insustentável, quase tanto quanto vinha sendo a atuação ambiental do ministro. No entorno do Planalto, o diagnóstico é de que troca na direção-geral da PF deixou a força "descontrolada". A demissão determinada por Salles e acatada pelo escolhido de Bolsonaro, Paulo Maiurino, catalisou a insatisfação.
Atualização no final da manhã: o colega Daniel Rittner, do Valor Econômico, informa que o advogado mineiro Antônio Claret Jr., filiado ao Novo e próximo ao governador Romeu Zema (MG), foi sondado para substituir Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente.