Depois de confirmar à coluna estudos para a criação de uma versão digital para o real, o Banco Central detalhou na manhã desta segunda-feira (24) as orientações gerais para a moeda eletrônica nacional.
Conforme o coordenador dos trabalhos sobre a moeda digital do Banco Central, Fabio Araujo, não há prazo definido para a estreia, até porque existe intenção de fazer um debate com a sociedade antes de emitir a nova moeda. Mas avalia que o BC "reuniria as condições necessárias" por volta de 2022.
— Vemos potencial para diversos usos, que vão facilitar a vida da população e aumentar a eficiência do sistema de pagamentos. Mas quero deixar claro que não se trata de um criptoativo, porque há um risco soberano ligado a ela, o Tesouro é o garantidor oficial da moeda — afirmou Araújo.
Entre os pontos já definidos, está a possibilidade de uso em pagamentos do varejo. Entre os exemplos de aplicação dados por Araújo, está a integração com a tecnologia da internet das coisas. Um desses casos permitiria entrar com um dispositivo no supermercado, conectar-se na rede, fazer as compras, embalar, colocar no carrinho e sair. O pagamento seria feito por uma "conversa" entre o dispositivo e o sistema do real digital. O mesmo se aplica a pedágios e estacionamentos.
A moeda eletrônica verde-amarela poderá ser usada em operações online e, eventualmente, até offline. O modelo será o conhecido pela sigla CBDC (do inglês Central Bank Digital Currencies, ou moeda digitais de bancos centrais). A China já lançou seu "cyber yuan" e os Estados Unidos anunciaram estudos sobre o dólar digital.
Em vídeoconferência com a imprensa, Araújo detalhou que o real digital será emitido pelo BCB como uma extensão da moeda física e distribuído ao público por instituições financeiras ligadas ao Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), ou seja, bancos e fintechs.
O desenvolvimento será baseado em tecnologias como contratos inteligentes (smart contracts), internet das coisas (IoT) e dinheiro programável. A coluna quis saber se a base tecnológica será o blockchain, base do bitcoin, mas Araújo disse que ainda não há definição sobre esse tema, que serão feitas depois do "debate com a sociedade".
Segundo Araújo, o desenho tecnológico permitirá atender as recomendações internacionais e normas legais sobre prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa. Essas preocupações cercam o uso de criptomoedas. As denominações já existentes não permitem rastrear a origem do dinheiro. Conforme o BC, será possível inclusive cumprir ordens judiciais para rastrear operações ilícitas com o real digital.
Embora exista a possibilidade do real digital para o que o BC chama de "pagamentos transfronteiriços", ou seja, remessas ao Exterior, nesse caso será necessária a aprovação do chamado PL Cambial, uma série de medidas sobre a conversão que está em apreciação no Congresso. No entanto, Araújo frisou que o real digital pode ser criado sem essa modalidade até que o assunto seja votado.
Uma das possibilidades do real digital será facilitar operações como o crowdfunding, financiamento coletivo que tem sido muito usado no ecossistema das startups, e empréstimos entre pessoas, chamado de "peer to peer". Araújo frisou que as diretrizes apresentadas hoje representam "o entendimento atual do BC", feitas para direcionar a discussão no âmbito nacional. Assegurou, ainda, que a instituição "poderá reavaliar seu posicionamento" com as discussões.