A evidente diferença de discurso de Ernesto Araújo na CPI da Covid em relação a manifestações feitas quando era ministro das Relações Exteriores faz parecer que o militante antiglobalismo se comportou como diplomata de fato na pasta.
Mas um dos principais citados, Yang Wanming, embaixador da China no Brasil, foi eloquente: bem na hora do início do depoimento, publicou no Twitter uma foto com cactos, e uma mensagem. "Minha foto: algumas espécies de cactos demoram anos para florir. Exercite a paciência, pois as coisas boas fazem qualquer espera valer a pena" (veja abaixo).
As posições do governo brasileiro em relação à China provocaram mudanças de estratégia da embaixada em Brasília, que sempre foi marcada por extrema discrição. Yang é mais do que um diplomata de carreira, é um líder próximo do poder central, com autonomia para agir, inclusive, de forma não exatamente diplomática, sempre em reação a ataques sofridos de integrantes do governo ou familiares do presidente Jair Bolsonaro. A publicação, portanto, não é coincidência.
O depoimento marca a volta de Araújo ao Senado que o derrubou do cargo, como ele mesmo afirmou. Ao tentar se defender da acusação de ter caído por inabilidade na negociação de vacinas, disse ter sido informado de que estava sendo afastado por "dificuldades que poderiam atrapalhar o relacionamento com o Senado". Senadores de fato pediram que ele deixasse o cargo, como a coluna registrou, mas o motivo era o foco de Araújo na militância antiglobalista em vez de na prática da melhoria das relações exteriores.
Muito mais familiarizada com negociações com a China do que o ex-ministro, a presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Senado, Kátia Abreu (PP-TO), nem se deu ao trabalho de perguntar. Mas fez questão de dizer que a normalidade das relações bilaterais se manteve "a despeito" de Araújo. Afirmou que a liberação de condições especiais em emergências ao longo da pandemia deve ser creditada a Marcos Troyjo, que era secretário especial de Comércio Exterior do Ministério da Economia e agora dirige o banco dos Brics, com sede em Xangai, na China.
— O senhor deve desculpas ao país. O senhor é um negacionista compulsivo, omisso. O senhor foi uma bússola que nos direcionou para o caos, para um iceberg, para um naufrágio — disse a senadora.
Mesmo depois do pronunciamento da senadora, o ex-ministro insistiu que nunca houve manifestação da China de desconforto com suas declarações. O cactus do embaixador é uma referência a dois pedidos de substituição de Yang encaminhados a pedido de Araújo ao governo chinês, em abril e em novembro do ano passado. Ambos ficaram sem resposta.
O Itamaraty também enviou à embaixada carta em linguagem estranha ao diplomatês, quando ataques do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e do ex-ministro Abraham Weintraub provocaram resposta irada da representação chinesa. "Não é apropriado aos agentes diplomáticos da República Popular da China no Brasil tratarem dos assuntos da relação Brasil-China através das redes sociais. Os canais diplomáticos estão abertos e devem ser utilizados", afirmava na correspondência.
Por menos fantasias do que as contadas por Araújo à CPI, o ex-secretário de Comunicação do governo, Fábio Wajngarten, foi ameaçado de prisão.