Era só o que faltava na economia já pressionada pelo desarranjo das cadeias de fornecimento de matérias-primas: um engarrafamento no corredor onde passa 12% do comércio mundial.
Essa é a melhor tradução do incidente que fez um navio gigantesco (atrás do barco menor, na foto) encalhar em pleno Canal de Suez, travar o tráfego e ameaçar elevar dois preços cruciais para 2021: petróleo e frete marítimo, que no ano passado chegou a ter custo multiplicado por 15 (1.400%).
Para a economia, mais do que as causas, preocupam as consequências do encalhe. Na quarta-feira (25), dia do acidente, o petróleo subiu quase 6%, de US$ 60,79 para US$ 64,41. O efeito foi tão forte porque dos 12% do comércio que passam pelo Canal de Suez, boa parte é petróleo, embora não fosse essa a carga do supernavio, que levava contêineres. Transporte de óleo é feito em navios-tanque.
O incidente "roubou" a metade do declínio na cotação do barril que ocorria desde 11 de março, quanto havia encostado em US$ 70 (US$ 69,63). Foi esse alívio de 11 a 24 de março que havia permitido duas pequenas reduções nos preços da gasolina e uma no diesel nas refinarias. Na melhor das hipóteses, a Petrobras deve dar uma freada em futuras diminuições de preço até ficar claro quanto tempo esse efeito vai durar.
E agora? Voltaremos a correr risco de pagar R$ 7 por um litro de gasolina? Se pela manhã havia a expectativa apenas de um "soluço" no preço, à tarde a situação mudou. Conforme a consultoria Rystad Energy, conforme relatórios preliminares agora a perspectiva é de que o canal fique bloqueado por "várias semanas".
Mas é bom lembrar que o mercado de petróleo tem a mesma previsibilidade do câmbio: quase nenhuma. Antes disso, a cotação do barril recuava diante dos lockdowns na Europa que devem se estender ao menos até a Páscoa. Com o freio na atividade, a demanda por combustível cai, e o preço vai junto. Mas se os planos de conter o contágio enquanto os europeus tentam acelerar o ritmo de vacinação, lento também por lá, a pressão no preço do petróleo volta.
Outro risco é o aumento do frete marítimo, que segundo empresas do Rio Grande do Sul chegou a subir 15 vezes em 2020, o que significa 1.400%. O transporte intercontinental por navio foi desorganizado pelas paradas iniciais causadas pela pandemia, e ao contrário do que se esperava, ainda não conseguiu se reacomodar.
O desequilíbrio provocou alta no preço para levar e trazer cargas e contribuiu para o desajuste das cadeias produtivas, que eleva o custo das empresas. Além do impacto econômico, a interrupção do tráfego tem implicações geopolíticas, como explica o colega Rodrigo Lopes (clique aqui para ler o texto).