A importância econômica do Canal de Suez, cujo tráfego está interrompido devido ao encalhe do gigantesco navio Ever Given, foi explicada pela minha vizinha de coluna em GZH Marta Sfredo. Aliás, recomendo a leitura do texto porque aproxima o fato internacional do nosso bolso: o "engarrafamento" da rota ameaça o preço da gasolina e do frete. Ou seja, cedo ou tarde, a conta vai chegar a nossas casas.
Mas há um outro aspecto que torna o episódio relevante nas relações internacionais por questões de segurança e estratégia. O Canal de Suez, que encurtou as distâncias comerciais, não sendo mais necessário a uma embarcação no Oceano Índico contornar todo o continente africano para chegar à Europa, é ponto nevrálgico da geopolítica.
Afinal, se navios mercantes têm passagem livre por ali, independentemente da bandeira, também embarcações militares fazem uso do canal. Pela rota, passam navios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) rumo a operações na costa africana e porta-aviões americanos a caminho de pontos sensíveis em termos de segurança internacional, na Ásia, como o Golfo Pérsico e o Mar do Sul da China.
É também local delicado do globo porque reduz distâncias para nações inimigas do Ocidente. Em 2012, uma esquadra iraniana cruzou o canal, adentrando no Mar Mediterrâneo, o que colocou países europeus e os Estados Unidos em alerta.
A própria história do canal está intimamente ligada a temas de segurança internacional. A via navegável corta o território do Egito ao longo de 190,3 quilômetros de extensão. Foi construído com financiamento de França e do próprio Egito, mas, no final do século 19, o Reino Unido, potência hegemônica à época, ocupou espaço a partir de dívidas do país sede, para afastar a influência francesa na região e para facilitar seu caminho para as Índias. Desde 1882, tropas britânicas passaram a ocupar suas margens.
Sua navegação livre - de navios mercantis e militares - é garantida pela Convenção de Constantinopla (1888), que estabelece a neutralidade no canal.
Um dos episódios mais emblemáticos de sua história foi a nacionalização da rota, pelo líder egípcio Gamal Abdel Nasser, em 1956, ação que deflagrou grave crise econômica e política. Reino Unido, França e Israel lançaram uma grande operação militar para liberar o canal, ação que culminou na intervenção da Organização das Nações Unidas (ONU). Com a Guerra dos Seis Dias, em 1967, a rota permaneceu fechada até 1975.
Uma força de manutenção da paz da ONU lá permaneceu até 1974. Nesse episódio, o Brasil teve participação especial, com o envio de 20 contingentes do Exército, o chamado Batalhão Suez, a partir de 1956. Foram 10 anos de operações, com participação de 6 mil militares brasileiros, muitos oriundos de quartéis do Rio Grande do Sul.
Hoje, o canal é administrado pela Autoridade do Canal de Suez (SCA), órgão do governo egípcio. A nacionalização de Suez foi contada em inúmeros filmes. Recentemente, um dos episódios da premiada série "The Crown", da Netflix, revive a tensão.
Um outro ponto de atenção na região é a presença de piratas na costa da Somália, próximo à entrada do Mar Vermelho - que dá acesso ao canal. A violência na região é uma das principais preocupações em termos de segurança naval no globo. O tema também foi explorado pelo cinema, no filme "Capitão Phillips". A obra reconta os cinco dias de sequestro do comandante do cargueiro Maersk Alabama, interpretado por Tom Hanks, por corsários somalis, em 2009.