Advogado por formação e ex-diretor de Controle e Risco do Banco do Nordeste do Brasil, Nicola Miccione assumiu a Casa Civil do governo do Estado do Rio em setembro passado. No cargo, tornou-se responsável pelo encaminhamento da privatização parcial da Cedae, companhia de água e saneamento fluminense. Como na quinta-feira o governador Eduardo Leite anunciou a privatização da Corsan, contrariando um compromisso de campanha, a coluna buscou detalhes sobre a concessão da Cedae. Na entrevista, Miccione detalha como estão os preparativos para o leilão marcado para 30 de abril.
A pouco mais de um mês do leilão, como está o interesse de grupos privados na concessão da Cedae?
Está grande, temos empresas como BRK, Aegea, Equatorial, há interesse de coreanos (da empresa GS Inima). Também há empresas de consultoria e de serviços que vão fazer parte dos consórcios. Interesse existe, até pelo valor dos investimento. Estimamos R$ 30 bilhões de investimentos diretos e R$ 10 bilhões de outorga mínima. Se considerar que se trata de uma operação de 35 anos, se somar os recursos necessários para rodar a a operação, que chamamos de opex, chega-se a R$ 110 bilhões de investimentos.
Dos R$ 10 bilhões de outorga, quanto o Estado do Rio deve receber?
Cerca de 80% vão para o Estado, que, com parte desses recursos, indeniza a Cedae por ativos considerados não amortizáveis. Outros 20% vão para os municípios.
A produção de água fica mantida na Cedae, que permanece estatal, e a distribuição e o tratamento de esgoto vão para o concessionário privado.
Chama a atenção o interesse de empresas da área de energia, como a Equatorial (criada pela GP Investimentos, do bilionário Jorge Paulo Lemann). Há interesse de grupos internacionais de integrar a infraestrutura?
Estudam uma possível diversificação na área de atuação. Com o marco legal do saneamento, mais de 5 mil municípios deverão se debruçar sobre esse tema. A universalização do fornecimento de água e tratamento de esgoto será obrigatória até 2035. As concessionárias e as prestadoras de serviços deverão demonstrar capacidade financeira para fazer a universalização. Essa foi nossa decisão lá atrás, sabendo que isso provavelmente ocorreria. Há municípios que sequer têm contrato com alguma concessionária, que agora deverão ser contratualizar o serviço por licitação. Alguns que não aderiram já disseram que o farão depois do leilão ou farão concessão própria.
Por que o RJ escolheu um modelo em que haverá uma empresa pública e outra privada?Optamos por um modelo híbrido. A produção de água fica mantida na Cedae, que permanece estatal, e a distribuição e o tratamento de esgoto vão para o concessionário privado. Foi um modelo pensado pelo BNDES, semelhante ao da concessionária de Alagoas, a Casal. Isso permite que a água continue na mão do poder público, no sentido de que é um bem essencial e pode ser regulado diretamente pelo. Nesse modelo, a Cedae vai ter recursos livres para poder investir na qualidade da água. E a concessionária privada vai explorar a distribuição, que demanda mais investimento. A Cedae permanece, menor mas ainda estatal. E fizemos quatro blocos de distribuição de água (veja no final da entrevista) formados por regiões do município do Rio e cidades do interior, permitindo que áreas deficitárias sejam cobertas com subsídio cruzado. Traz um modelo social, porque une mercados mais atrativos a municípios sem o interesse dos investidores privados e sem capacidade do Estado de prover serviços.
O edital de concessão da Cedae permite que grupos financeiros, com corpo técnico qualificado a ser contratado, possam explorar os serviços. Assim, permite novos entrantes no mercado.
Como vê a escolha do governo gaúcho por privatização simples?
Os modelos devem contemplar as especificidades de cada Estado. É preciso olhar a realidade do Rio Grande do Sul e da empresa de saneamento. Não posso dizer que o modelo do Rio é o mais adequado aos gaúchos.
Há risco de concentração do saneamento entre poucas empresas?
Foi pensando nisso que criamos um modelo sem exclusividade para operadoras existentes. O edital de concessão da Cedae permite que grupos financeiros, com corpo técnico qualificado a ser contratado, possam explorar os serviços. Assim, permite novos entrantes no mercado. Não exigimos experiência prévia no setor, que poderia gerar concentração. Isso se justifica pelo tamanho da operação e da oportunidade. Assim, grupos com capacidade financeira e governança empresarial robusta podem entrar no setor.
Mais importante do que cumprir o prazo legal é levar dignidade a aproximadamente 12 milhões de pessoas que não têm serviço adequado.
A meta de universalização, que está levando a IPOs e privatizações, é factível?
Na concessão da Cedae, colocamos exigência da maior parte dos investimentos nos primeiros cinco anos. Mais importante do que cumprir o prazo legal é levar dignidade a aproximadamente 12 milhões de pessoas que não têm serviço adequado. Vamos perseguir o máximo de cumprimento. Vai caber a fiscalização da agência e dos poderes concedentes. É um bom desafio. Aqui seguimos a lógica de que o bom é inimigo do ótimo. Vamos buscar o máximo que conseguirmos , não podemos ficar sem fazer nada. Se conseguirmos um melhor índice, independentemente do percentual, já terá validado.
Há risco de aumento de tarifa para os consumidores?
No modelo, garantimos que não haverá aumento de tarifa da população, a não ser o da correção da inflação pelo IPCA. Isso permite a manutenção da tarifa em níveis adequados. O modelo tem de ser pensado para a população, com foco na prestação dos melhores serviços, não no mercado nem em interesses corporativos.
Na forma como o edital foi encaminhado, poderia haver custo extra para o Estado, não para a população.
Como o contrato é de 35 anos, não pode vir a ser alegado desequilíbrio econômico-financeiro?
Na forma como o edital foi encaminhado, poderia haver custo extra para o Estado, não para a população. São situações que se pode enfrentar daqui a cinco anos. Não que entenda como cabível, porque houve discussão, audiências públicas.
Há risco de o leilão ser adiado?
Nada indica. As visitas técnicas estão ocorrendo normalmente. As questões jurídicas estão sendo todas normalmente esclarecidas. Uma batalha jurídica sempre pode ocorrer, mas já nos preparamos para isso. Pelo nível dos questionamentos, nos sentimos muito tranquilos quanto à correção e a legalidade de todo o modelo. Vamos encarar qualquer discussão jurídica com normalidade e na defesa do interesse da população.
COMO SERÁ A DIVISÃO DA CEDAE
Bloco 1: zona sul do Rio e municípios de São Gonçalo, Aperibé. Miracema, Cambuci, Cachoeiras de Macacu, Cantagalo, Casimiro de Abreu, Cordeiro, Duas Barras, Magé, Maricá, Itaocara, Itaboraí, Rio Bonito, São Sebastião do Alto, Saquarema, São Francisco de Itabapoana e Tanguá.
Bloco 2: regiões da Barra da Tijuca e Jacarepaguá e as cidades de Miguel Pereira e Paty do Alferes.
Bloco 3: zona oeste do Rio (exceto Barra e Jacarepaguá), três cidades da Baixada Fluminense (Itaguaí, Seropédica e Paracambi) e três do Sul do Estado (Piraí, Rio Claro e Pinheral).
Bloco 4: centro e zona norte do Rio mais oito cidades da Baixada: Caxias, Nova Iguaçu, Belford Roxo, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Queimados e São João de Meriti.