De um lado do ringue, a Apple, companhia com o maior valor de mercado do planeta: US$ 2,2 trilhões (não é erro, são trilhões de dólares, mesmo). Do outro, a quinta maior fortuna pessoal do planeta, a de Mark Zuckerberg (US$ 98 bilhões), criador do Facebook, por sua vez a empresa com o oitavo maior valor de mercado, US$ 746 bilhões.
Esse duelo de titãs envolve negócios, claro, mas também um bem intangível já meio fora de moda e pouco cultivado no início da terceira década do terceiro milênio: a privacidade.
Donas de negócios diferentes – uma baseada em objetos tangíveis (equipamentos), outra especializada em espionar usuários –, Apple e Facebook viraram inimigas. A origem da guerra digital é uma nova função do iOS que deve chegar só em 2022: o sistema operacional dos iPhones vai exigir que desenvolvedores de aplicativos peçam permissão aos usuários para rastrear suas atividades e usar dados para personalizar anúncios. O mecanismo é conhecido como App Tracking Transparency (ATT, sigla em inglês para transparência em rastreamento de aplicativos). A Apple vem sendo pressionada por organizações como Electronic Frontier Foundation e a Human Rights Watch para acelerar a implantação desse recurso.
O rastreamento e a personalização de anúncios estão entres as principais fontes de renda do Facebook, um dos tópicos sob análise na Justiça dos Estados Unidos a pedido da Free Trade Comission (FTC), agência reguladora que deve garantir a livre concorrência no país e de 48 dos 50 Estados americanos. Embora se arrastasse desde meados de 2020, a ameaça de Zuckerberg de processar a Apple aprofundou a crise e a pressão por regulação das big techs, já tão poderosas quanto países.
Na semana passada, em uma conferência sobre privacidade de dados, Tim Cook, principal executivo da Apple, reagiu também subindo o tom. Afirmou, sem citar o Facebook, que "se um negócio é construído com base em enganar os usuários, na exploração de dados, em escolhas que não são de todos, não merece cumprimentos, mas uma reestruturação". Os aparelhos da Apple sempre foram considerados mais seguros por não permitirem muita interação com todos os demais equipamentos. Isso criou um mercado de acessórios e aplicativos compatíveis com seus dispositivos.
Portanto, para a Apple, a privacidade ainda tem valor, conferido por ao menos parte de seus usuários. Os processos contra o Facebook e o Google, além de obras como documentário O Dilema das Redes elevaram a rejeição popular e de grupos organizados à intromissão das redes sociais e dos mecanismos de busca.
No ano passado, as big techs enfrentaram um período de perdas pesadas na Nasdaq, a bolsa de tecnologia dos Estados Unidos, apesar de terem sido muito beneficiadas pela pandemia e pelo distanciamento social. O modelo de negócio em que o produto são os dados dos usuários – que quase sempre não autorizam explicitamente seu uso – começa a provocar fissuras até no Olimpo dos bilionários tecnológicos.