A tentativa de encontrar uma fonte de financiamento para um programa social mais robusto do que o Bolsa Família já provocou um cartão vermelho para a equipe econômica, uma escolta política para o ex-superministro Paulo Guedes e uma longa reunião para discutir a relação, na noite de quarta-feira (30).
O primeiro motivo para tanta dificuldade é óbvio, como explicitou nesta quinta-feira (1º) o vice-presidente Hamilton Mourão: "não tem de onde tirar". Mas também falta coesão, boa intenção e, convenhamos, competência.
No capítulo do dinheiro, o aumento das despesas provocado pela pandemia fez com que o buraco nas contas públicas se aprofundasse a R$ 647,8 bilhões nos 12 meses terminados em agosto. Isso equivale a 8,9% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Para todo o ano, a projeção de déficit é de R$ 871 bilhões, o que representa cerca de 12,1% do PIB. No orçamento de 2021, o rombo previsto era de R$ 233,6 bilhões, sem o Renda Cidadã. Isso que especialistas consideraram a proposta de orçamento enviada ao Congresso excessivamente otimista.
No âmbito da coesão, analistas têm chamado atenção para o desaparecimento do ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, do debate sobre um programa que, ao menos teoricamente, está sob sua gestão. Também há flagrantes diferenças de posição entre a nova liderança do governo no Congresso e o ministro da Economia, que protagonizaram momentos constrangedores em público.
Nos episódios dos últimos dias, é possível apontar falta de coesão do próprio Paulo Guedes, que assistiu sem protestar ou objetar que os precatórios e o Fundep financiaram o Renda Cidadã, para depois afirmar que não faria "puxadinhos". E mesmo diante das declarações de Guedes, nesta quinta-feira (1º) políticos mantinham a versão de buscar recursos nos precatórios e no Fundep. Mourão disse que "voltou atrás", para depois acrescentar "provavelmente". Ou seja, ninguém sabe. Nem se entende.
Na divisão da boa intenção, o governo Bolsonaro quer, claramente, manter o ganho de popularidade obtido com o auxílio emergencial sem comprar briga com quem deve. Já que o próprio presidente disse que não quer "tirar do pobre para dar ao paupérrimo", deveria tirar dos mais ricos. Mas não dá sinais de querer corrigir distorções do serviço público nem taxar a renda realmente alta, em vez de estrangular a assalariada. Também evita pesar a mão na reforma administrativa, que poderia abrir espaço de prazo mais longo do orçamento.
Aqui entra também a escassez de competência, exibida na reforma da Previdência, para convencer todos os públicos interessados de que a situação das finanças públicas neste momento é tão delicado quanto a da Amazônia, e não suporta mais agressões. Encontrar uma solução é crucial. Por mais que tenha interesse eleitoral, o apoio aos "invisíveis" é essencial para fazer a transição entre a crise brutal e a porta de saída. Está alimentando pessoas que, sem isso, não teriam outra opção. Mas é preciso buscar dinheiro, coesão, boa intenção e competência.