José Janguiê Diniz é o fundador, controlador e presidente do conselho de administração do Grupo Ser Educacional, que no domingo passado ofereceu R$ 4 bilhões para comprar a Laureate, incluídas duas universidades do Rio Grande do Sul, a UniRitter e a Fadergs. Da infância no sertão da Paraíba, passando pelo abandono de cobiçados cargos públicos, sua história de vida deu um livro, e ele o escreveu: Transformando Sonhos em Realidade - A Trajetória do Ex-engraxate que Chegou à Lista da Forbes, além de outros 23, segundo ele sem ghost writer. Depois de passar a maior parte da vida em Recife, passou a morar em São Paulo há um ano e meio, onde fundou o Instituto Êxito de Empreendedorismo, que divide seu tempo com o Ser Educacional, que diz cuidar "como se fosse um filho" nesta entrevista por e-mail à coluna. Janguiê se confessa um "workhaolic saudável" e sustenta que, sem as instituições privadas, o Brasil não daria conta da Educação Superior.
Qual é a lembrança mais forte da infância, da vida rural no distrito de Santana dos Garrotes (PB), ou de Naviraí (MS)?
Minha infância em Santana dos Garrotes foi muito difícil. A cidade era pequena, com cerca de 5 mil habitantes, de pouco desenvolvimento. Meus pais eram trabalhadores rurais, vivíamos de forma precária. Foi para fugir da seca e da pobreza que saímos de lá e fomos para Naviraí, onde conseguimos uma condição de vida um pouco melhor, mas ainda muito simples. Mesmo assim, lembro que meus pais faziam questão que eu estudasse, afinal era o mais velho dos filhos e precisava dar o exemplo aos demais. Lembro, também, de quando, lá em Santana dos Garrotes, meu avô, aos sábados, depois da feira, me levava para o sítio, na garupa do cavalo. Tinha apenas cinco ou seis anos, mas me lembro muito bem.
Como montou seu "primeiro empreendimento", uma caixa de engraxar, aos oito anos?
Via meus colegas de escola que podiam comprar algumas coisas, ir às matinês nos sábados, e não podia, não tinha dinheiro e meu pai também não podia me dar. Foi aí que resolvi começar a engraxar sapatos nas ruas da cidade. Isso me permitiu ganhar um dinheirinho, pouca coisa, mas o suficiente para ir à matinê e levar algo para casa. Ali, comecei a aprender o valor do trabalho na vida. É importante ressaltar que nunca deixei de estudar: ia para a escola, estudava em casa e engraxava sapatos quando tinha tempo livre. Também fui vendedor de picolés e laranjas, garçom, locutor infantil, entre outras ocupações. Eu me virava.
Como essa experiência define sua visão sobre trabalho infantil?
Acredito que o trabalho é sempre digno, independentemente da idade. No caso das crianças e adolescentes, no entanto, enfrentamos um grave problema que é a exploração do trabalho infantil, que precisa ser combatida. Trabalhava porque gostava, queria ter uma renda, embora fosse irrisória, era algo que tinha conquistado. Nunca fui forçado. E o mais importante é que as atividades que eu realizava não atrapalhavam meus estudos. Ainda hoje vemos crianças que gostam de ajudar os pais em seus pequenos comércios. Se for uma decisão espontânea, que não atrapalhe o desenvolvimento social e educacional da criança, nem incorra em crime de exploração ou a force a atividades pesadas, o trabalho pode ser produtivo no sentido de ensinar conceitos como responsabilidade, disciplina, determinação, dignidade e trato com o dinheiro. Porém, repito e ressalto: a exploração das crianças e a interrupção dos estudos nunca será algo benéfico.
Meu pai queria que eu trabalhasse com ele na agricultura, mas eu sabia que precisava continuar estudando.
Que papel teve na sua vida o tio desconhecido que, em Recife, deu seu primeiro emprego?
Meu tio foi um segundo pai para mim. Precisei sair de Pimenta Bueno para poder cursar o Ensino Médio, porque lá só tinha o Fundamental, e fui para o Recife, onde encontrei meu tio Nivan. Ele me deu um lugar para morar e um emprego. Eu sabia datilografar muito bem, porque tinha feito um curso "asdfg" (ordem das letras no teclado). Eu datilografava com rapidez as petições do escritório. Essa experiência me fez mudar de ideia sobre a minha graduação, que inicialmente era Medicina. A vivência e as conversas com ele acabaram despertando o desejo de entender sobre Direito.
A vontade de estudar era espontânea ou reforçada pelos pais?
Sempre foi um condicionamento meu. Quando concluí o Ensino Fundamental, não havia Ensino Médio em Pimenta Bueno. Meu pai queria que eu trabalhasse com ele na agricultura, mas eu sabia que precisava continuar estudando. Foi por isso que me mudei, inicialmente para João Pessoa, depois para Recife. Meus pais ficaram preocupados mas me apoiaram.
Trabalhando de dia e estudando à noite, você passou no vestibular de Direito da Universidade Federal de Pernambuco em 1983. Como encara quem diz que só alunos que estudaram em escolas privadas conseguem passar nas federais?
Acredito que qualquer pessoa pode passar no vestibular de uma instituição federal, tenha estudado em escola pública ou particular. Quem faz a diferença é o estudante: quando ele quer e se esforça. É bem verdade que um estudante de escola particular tem uma rede de apoio muito maior do que os de escolas públicas, mas estes são igualmente capazes de terem sucesso. Só depende de cada um. De ser determinado, disciplinado, persistente, focado, estudar muito e não desistir jamais. O Enem e o Sisu ajudaram também a diminuir essas distâncias.
Por que, depois de passar em concurso para juiz federal do Trabalho, em 1992, pediu exoneração e fez concurso para procurador federal?
Seria transferido para o interior de Pernambuco, e não queria. Atuava no Recife substituindo um colega juiz que estava no tribunal, mas sabia que, quando voltasse, precisaria assumir uma comarca no Interior. Como meu desejo era continuar na capital para me desenvolver, fazer mestrado, doutorado, ser professor da universidade, empreender, pedi exoneração após ser aprovado como Procurador do Ministério Público do Trabalho. Por ter passado entre os primeiros colocados, escolhi trabalhar em Recife. Mesmo depois de ter exercido o cargo de procurador por alguns anos, resolvi pedir exoneração do cargo e também do de professor da UFPE para empreender. As pessoas pensam me aposentei. Não, pedi exoneração.
As pessoas que recebem conhecimento de graça devem, depois que se formar, empreender para gerar riqueza, renda e trabalhabilidade.
Com essa trajetória, com vê a reforma administrativa?
A educação, os cursos que fiz e os concursos públicos em que passei melhoraram minha vida e me proporcionaram certa estabilidade financeira. Entretanto, queria empreender para gerar riqueza, renda, trabalhabilidade e, por consequência, empregabilidade para mim, para minha família e para o Brasil. Não acho que concursos públicos devam ser o fim maior de qualquer pessoa que adquire conhecimento. Sempre estudei em escolas públicas. As pessoas que recebem conhecimento de graça devem, depois que se formar, empreender para gerar riqueza, renda e trabalhabilidade. Por isso, acho que a reforma administrativa se faz necessária para evitar que os empregos públicos sejam vitalícios e desestimulem as pessoas a empreenderem na vida e nos negócios.
Considera-se workaholic?
Sempre trabalhei muito. Me modelei ao meu pai. Aprendi a trabalhar muito com ele. Sempre foi um guerreiro para trabalhar. Trabalhar enaltece o homem, engrandece a alma e enriquece o bolso. E não podemos nos esquecer que trabalhar duro por algo em que acreditamos chama-se propósito e, quando é feito com alegria, jamais deixará o ser humano cansado. Acho que sou um workaholic saudável, pois trabalho bastante, mas amo o que faço e isso não me faz mal. É como diz o filósofo chinês Confúcio: trabalhe com o que ama e não precisará trabalhar um dia sequer na sua vida.
É utopia pensar que o poder público seria capaz de fornecer educação gratuita de qualidade e universal.
Como vê as críticas de que grandes corporações, como o Ser Educacional, transformam educação em mercadoria?
Costumo dizer que existem dois tipos de empreendimentos sociais: os que visam e os que não visam ao lucro. Instituições de ensino privadas visam ao lucro, mas não deixam de ser empreendimentos sociais, pois promovem transformação de vida, já que os governos não podem fazer tudo sozinhos. É utopia pensar que o poder público seria capaz de fornecer educação gratuita de qualidade e universal. É para isso que existe a iniciativa privada. O Brasil só tem 17% da população com idade universitária (de 17 a 25 anos) no Ensino Superior, o pior índice da América Latina. E 76% das matrículas estão nas instituições privadas. Os grandes grupos têm grande qualidade de ensino. Todos precisam ter, senão não sobrevivem nem dois anos. No Ensino Superior, existem três graus de qualidade. Um é o ensino de massa, presencial ou EaD, a custo baixo para as classes menos favorecidas (C, D e E). Outro é para aulas presenciais e a distância para classes A e B e C, que além de qualificar a população, oferece pesquisa e extensão, com tíquete médio de R$ 290 a R$ 2 mil, onde se enquadram todas as nossas instituições. E a terceira são as de nicho, para as classes A e AA, com tíquete médio de R$ 2 mil a R$ 6 mil, como a FGV.
Evoluiu o projeto de criar uma escola infantil na mansão do ex-banqueiro Edmar Cid Ferreira, que você comprou por por R$ 27,5 milhões?
Pretendemos transformar o local numa escola de alto padrão, direcionada ao Ensino Básico (do infantil ao médio) com proposta pedagógica disruptiva que mescle as diretrizes curriculares brasileiras e internacionais. Será de excelência, focado em criatividade, inovação, empreendedorismo e pensamento disruptivo, com métodos de solução de problemas reais para ensinar multihabilidades e desenvolver pensamento crítico. Ensinará, além das habilidades cognitivas do currículo tradicional estabelecido pelo MEC, habilidades socioemocionais (soft skills) e técnicas (hard skills) para empreender, inicialmente na vida, depois nos negócios, ou intraempreender nas profissões do futuro ligadas à automação e à inteligência artificial.
O Brasil só dará um grande salto em desenvolvimento com um maciço investimento na educação.
Qual é seu "sonho grande" para o Ser Educacional?
A educação mudou minha vida, minha história e meu destino, e é por isso que empreendo no setor já há tanto tempo. O Brasil só dará um grande salto em desenvolvimento com um maciço investimento na educação. Fundei o Ser Educacional com esse propósito de também transformar vidas. Foi um sonho que foi sendo construído e desenvolvido aos poucos, com muito trabalho e dedicação. Hoje, temos mais de 180 mil alunos em mais de 60 unidades presenciais e mais de 300 polos de ensino a distância espalhados pelo Brasil. Meu grande sonho é que continue crescendo e levando educação e, principalmente, futuro, a cada vez mais pessoas.
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