Quando o conjunto de estímulo à aglomeração e apoio a atos antidemocráticos deixou de ser surpresa e passou a ser rotina nos finais de semana presidenciais, o Planalto encontrou uma outra forma de espantar o mundo. Sucessivas formas de manipular as informações estatística sobre número de casos e de mortes provocadas por covid-19 no Brasil aprofundaram no Exterior as comparações do país com ditaduras escancaradas, como Nicarágua ou Turcomenistão, onde se proibiu o uso a palavra "coronavírus".
Vista com distanciamento, a sucessão dos fatos do final da semana é quase inacreditável. Primeiro, o governo adia o horário da informação para quase o final da noite. Em seguida, um recém-recrutado assessor — que deixou a função antes mesmo de ser oficialmente indicado — sugere que há manipulação de dados na fonte, as secretarias de Saúde. Por fim, em menos de uma hora, o governo informa duas contagens diferentes, com mais de 800 mortes de diferença.
Tentemos ler o parágrafo anterior como se não soubéssemos onde ocorreu. Qual seria a opinião sobre esse encadeamento de fatos em um país emergente, que sempre lutou contra o preconceito de não ser "sério"? Se conseguíssemos fazer o esforço de deixar de lado radicalização e torcida — tanto contra quanto a favor —, a reação seria a mesma que se vê lá fora, e começa a se ampliar aqui dentro: o "risco Bolsonaro" se amplia.
Os Estados Unidos de Donald Trump podem se dar ao luxo da polêmica, por ser a maior economia do mundo e dominar a máquina de imprimir dólares. Repúblicas com períodos intermitentes de ditadura no século 20 precisam ter mais zelo por seus movimentos. Diante de um país opaco, na melhor das hipóteses os investidores estrangeiros levarão mais tempo para tomar decisões, quando tudo se tornou mais urgente.
É a mesma situação que exige soluções emergenciais desse mesmo governo em outra área, a do socorro às empresas. A palavra está no nome de medidas provisórias, mas não consegue alcançar a vida real. Quanto mais demorar, mais lenta será a recuperação. Com investidores estrangeiros mais cautelosos e nacionais mais fragilizados, como será possível bancar um programa de recuperação com o fôlego de que o Brasil necessita?