Se já havia pressão dos Estados Unidos para que o Brasil evitasse usar tecnologia chinesa ao adotar a tecnologia de telefonia móvel de quinta geração, a 5G, antes da pandemia causada pelo coronavírus multiplicou esse fator de forma exponencial, como a doença. Antes, o argumento se centrava na empresa chinesa que detém o pacote de implantação, a Huawei, acusada de espionagem pelo governo americano, e a moeda de troca eram os acordos de cooperação entre Brasil e Estados Unidos. As acusações abertas sobre a suposta origem do vírus em um laboratório de Wuhan, tanto do presidente dos EUA, Donald Trump, quanto do secretário de Estado, Mike Pompeo, são o instrumento visível dessa nova ofensiva.
Em conversas reservadas, o discurso é mais direto e claro. A interlocutores nacionais, os americanos argumentam que a falta de transparência da China no tratamento das informações reforça as suspeitas de que a Huawei compartilhará informações obtidas nas transmissões do 5G com o governo de Pequim. A pressão é reforçada pela acusação de que se trata do país "que mais rouba propriedade intelectual", apoiada pelo número de contestações a essa prática no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Uma das alegações dos americanos é a de que, se o Brasil "não se importa com a privacidade dos dados", pode decidir em sentido inverso. No governo Bolsonaro, esse tipo de argumento tem eco nos bolsões de franca oposição ao fortalecimento da relação com a China – apesar de o país ser o principal parceiro comercial do Brasil. Outro elemento que dá força à pressão é a rara convergência entre Estados Unidos e União Europeia (UE) provocada pela pandemia e as suspeitas sobre a China.
O país e o bloco já se enredaram em dura disputa comercial, mas agora alinharam o discurso de que são defensores da democracia em oposição ao governo autoritário na China. Na semana passada, em entrevista à coluna, o representante da UE no Brasil, Ignácio Ibáñez, afirmou que "o modelo político da UE está mais próximo dos EUA do que do da China", com "compromisso com democracia, liberdades coletivas e individuais".
Essa aliança também envolve o interesse comum das duas grandes potências ocidentais no 5G. Nenhuma empresa americana disputa com a Huawei o fornecimento da tecnologia, mas há duas companhias europeias que podem cumprir esse papel, a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia (a divisão de produção de aparelhos foi vendida à Microsoft, mas a área de desenvolvimento segue sob controle original). O embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, já acenou até com a possibilidade de ajudar a financiar a rede 5G no Brasil caso o país evite a tecnologia chinesa. O jogo, que já era duro antes da pandemia, agora virou questão de Estado para os americanos, que já indicam "consequências importantes" para a China no pós-pandemia, como disse Chapman à coluna e a outros jornalistas gaúchos.