Em uma virada radical, o Planalto anunciou nesta quarta-feira (22) as bases do programa de reconstrução da economia para o pós-pandemia. Oportunamente, trocou o apelido de "Plano Marshall", usado internamente, pelo nome PróBrasil. Mesmo com a mudança de nome, prevê investimentos públicos em obras, especialmente de infraestrutura, a mesma estratégia de reconstrução da Europa depois da Segunda Guerra Mundial.
No espírito, não é muito diferente do conjunto de iniciativas adotadas pelo Brasil na crise de 2008, quando o então governo Lula prometia transformar o tsunami da turbulência financeira em uma marolinha. Embora tenham sido corretas naquele momento, as medidas se estenderam no tempo por interesse eleitoral, que acabaram levando à recessão de 2015 e 2016. O fato de o programa ser coordenado pelo chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, acentua o arquivamento, ao menos momentâneo, do liberalismo de Guedes, que pavimentou a candidatura de Jair Bolsonaro na elite econômica do país.
Ao apresentar as bases do programa, Braga Netto detalhou que terá duas partes, uma chamada "Ordem", outra "Progresso". O início da implementação está prevista para outubro e, como foi apresentado como um programa de Estado, não de governo, deve se estender até 2030. Também esclareceu que teve origem em iniciativas específicas de vários ministérios, por isso assumiu sua coordenação.
– A ala militar, mais pragmática e, talvez, com algum resquício nacionalista, tem ciência de que, pós-Covid-19, a economia não se recuperará sem a 'mão visível do Estado', porque o setor privado, por estar há muito tempo estagnado, não tem capacidade de ser o protagonista da recuperação e tampouco terá condições de entrar nos leilões das privatizações – observa Fernando Ferrari Filho, ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB).
Empresários foram chamados para contribuir com sugestões ao plano, considerado inevitável para devolver alguma normalidade à atividade econômica depois dos estragos provocados pelo impacto do coronavírus. A necessidade acentua um debate que começou com a demora na reação da equipe econômica às emergências de empresas e cidadãos por linhas de crédito e pelo Auxílio Emergencial de R$ 600. Guedes e sua equipe teriam visão liberal demais quando o país precisa de medidas desenvolvimentistas. Ou, numa simplificação esportiva, a equipe está preparada para jogar basquete e agora tem de encarar uma partida de futebol.
– Um plano de recuperação tem de envolver vários ministérios. O da Economia é o principal porque não pode haver divórcio entre a condução da política econômica de curto prazo com propostas de mais longa maturação, como um plano de recuperação deve ter. Não vejo problema no fato de ser coordenado pela Casa Civil, desde que se cerque em técnicos da área econômica e social e tenha capacidade de articulação. Mas vejo Guedes mais esvaziado – pondera Pedro Fonseca, professor de Economia da UFRGS, estudioso do desenvolvimentismo.
O que Braga Netto não disse, mas está embutido na concepção do plano é sua natureza política, que mira a reeleição de Bolsonaro em 2022. Para Ferrari, ainda que o plano funcione, será uma tarefa difícil, porque a queda do PIB neste ano será expressiva, entre 4% e 6%, e mesmo que em 2021 e 2022 o PIB cresça a uma média de 3%, o desemprego continuará elevado, e o ajuste fiscal voltará a ser o objetivo.
– Um plano de recuperação é sempre político. Embora a pauta seja econômica, as opções sobre que setores priorizar, fontes de financiamento e quais investimentos devem ser feitos antes são opções políticas. A questão é não deixar o interesse meramente político comandar – pondera Fonseca.
O plano de reconstrução da Europa levou o nome do general George Catlett Marshall, secretário de Estado no governo de Henry Truman, que presidia os Estados Unidos quando a Segunda Guerra terminou. As bases, porém, foram definidas por John Maynard Keynes, cujos estudos deram origem a uma escola econômica oposta à de Guedes.