A ideia nasceu no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), quando seu presidente, o economista Carlos von Doellinger, pediu aos técnicos do órgão estudassem uma espécie de "Plano Marshall" para o Brasil, inspirado na estratégia de reconstrução da Europa depois da Segunda Guerra Mundial. Semanas depois, foi abraçada pelo Palácio do Planalto, que agora indicou o chefe da Casa Civil, general Walter Souza Braga Netto, para coordenar a reconstrução da economia brasileira.
Parece estranho, não? O programa leva o nome do general George Catlett Marshall, secretário de Estado no governo de Henry Truman, que presidia os Estados Unidos quando a Segunda Guerra terminou, mas suas bases foram definidas por John Maynard Keynes, cujos estudos deram origem a uma escola econômica, oposta à do ministro da Economia, Paulo Guedes. O fiador do liberalismo no governo Jair Bolsonaro até costumava se referir com frequência ao Plano Marshall, mas apenas para servir de referência ao pesado custo de rolagem da economia brasileira.
– A ala militar, mais pragmática e, talvez, com algum resquício nacionalista, tem ciência de que, pós-Covid-19, a economia não se recuperará sem a "mão visível do Estado", porque o setor privado, por estar há muito tempo estagnado, não tem capacidade de ser o protagonista da recuperação e tampouco terá condições de entrar nos leilões das privatizações – observa Fernando Ferrari Filho, ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), lembrando que, em tempos de crise, os responsáveis pela política econômica tornam-se keynesianos por pragmatismo.
A proposta do Ipea passa por recuperação das cadeias produtivas e da infraestrutura, estímulo a exportações e ao emprego, exatamente as bases históricas keynesianas, que inclui pesado gasto público nesse esforço. Ajuda a explicar porque a coordenação é de Braga Neto, não de Guedes. O general tem apoio dos ministros do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. O plano não está sendo construído à revelia de Guedes, que participa do grupo, mas com visão fiscal.
Empresários foram chamados para contribuir com sugestões ao plano, considerado inevitável para devolver alguma normalidade à atividade econômica depois dos estragos provocados pelo impacto do coronavírus. A necessidade acentua um debate que começou com a observação da demora na reação da equipe econômica às emergências de empresas e cidadãos por linhas de crédito e pelo Auxílio Emergencial de R$ 600. Guedes e sua equipe teriam visão liberal demais quando o país precisa de medidas desenvolvimentistas. Ou, numa simplificação esportiva, a equipe está preparada para jogar basquete e agora tem de encarar uma partida de futebol.
Von Doellinger é um raro integrante da equipe econômica que não foi escolha de Guedes, mas do presidente Jair Bolsonaro. A questão é que, para além da reconstrução da economia, o "Plano Marshall" de Brasília tem outro objetivo no radar: a reeleição de Bolsonaro.
– Um plano de recuperação é sempre político. Embora a pauta seja econômica, as opções sobre que setores priorizar, fontes de financiamento e quais investimentos devem ser feitos antes são opções políticas. A questão é não deixar o interesse meramente político comandar –pondera Pedro Fonseca, professor de Economia da UFRGS, estudioso do desenvolvimentismo.
Separar gasto necessário para a retomada econômica do superendividamento com fins eleitorais – como foi feito no governo Dilma, em 2014 – vai exigir vigilância da sociedade.