Claudio Frischtak comanda a consultoria InterB, especializada em infraestrutura. Com grande visibilidade internacional, é interlocutor frequente de investidores estrangeiros interessados em investir no Brasil. O economista confesse que ainda não terminou de entender o programa ade investimentos públicos anunciado pelo governo na quarta-feira (22), garante que existe muito interesse em investir no Brasil, mas adverte que o "ruído de Brasília" é o maior obstáculo para que a capacidade de atração do país se concretize.
Qual o papel da infraestrutura no plano de reestruturação da economia?
Não está claro o que o governo está propondo. Em infraestrutura, está até um pouco mais claro. O programa como um todo, da forma como foi apresentado, não permite fazer afirmações de caráter peremptório, não se sabe exatamente o que é o programa conceitual, exceto na infraestrutura, que é o que vem se discutindo há mais tempo. O que entendi é que há um programa de investimento em obras públicas de R$ 30 bilhões com ambição de criar 1 milhão de empregos. Há uma relação razoável entre esses números, dependendo da natureza da obra, embora números muito redondos sempre incomodem.
É um bom sinal?
Há um problema básico. Já tivemos, no passado, programas de investimento em obras públicas, e o último foi um desastre. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), gerenciado pela ex-presidente Dilma, representou um desperdício enorme de recursos. O PAC 1 foi ruim, o 2 e o 3, horríveis. Acredito que talvez não seja tão diferente com este. A questão de fundo é que investimento público não funciona bem. A governança é muito ruim, o planejamento é débil. A qualidade dos projetos propriamente ditos deixa a desejar, a obra começa sem projeto executivo e a execução também enfrenta problemas. Temos um problema de governança do investimento público.
A economia política é muito perversa, e continua com problema de captura. Ainda mais que, agora, tudo indica que o governo vai fazer aliança com o velho Centrão, é um problema adicional.
Em qualquer governo?
Sim, como a governança é frágil, não importa a boa vontade e a integridade do ministro, dos funcionários do ministério ou da direção do Dnit. A economia política é muito perversa, e continua com problema de captura. Ainda mais que, agora, tudo indica que o governo vai fazer aliança com o velho Centrão, é um problema adicional. Não vejo como escapar do que o TCU (Tribunal de Contas da União), que chegou à conclusão de que mais de metade das obras do PAc foram paralisadas por problemas de planejamento. Outro problema é o tom de emergência, de querer produzir resultados rápidos. Tende a aumentar o volume de problemas, como vimos no caso das obras da Copa e da Olimpíada. As da Copa foram eivadas de corrupção.
Qual seria a alternativa?
A construção de uma carteira de projetos para licitar ao setor privado. É por isso que continuo não entendendo a natureza do programa. O investidor continua interessado, não há falta de interesse.
Se o governo estabelecer regras corretas, previsíveis, e apresentar uma carteira de projetos, vai atrair investidores, tanto do setor privado nacional quanto do internacional.
O setor privado nacional tem capacidade?
Tem recursos, tem capacidade, tem interesse. O problema é o enorme ruído político que estamos vivendo. Gera grande incerteza, e o o setor privado tem horror a incerteza. E o programa introduz uma variável que não havia antes: o governo que se comprometeu em atrair o setor privado para investir em infraestrutura, que tem uma experiência exitosa de duas décadas, mesmo que tenha havido modelos malucos, como a privatização de aeroportos com 49% da Infraero, também no governo Dilma. Se o governo estabelecer regras corretas, previsíveis, e apresentar uma carteira de projetos, vai atrair investidores, tanto do setor privado nacional quanto do internacional. Por isso, introduzir um programa de obras públicas hoje confunde mais do que esclarece. tem espaço para obras públicas, que são aquelas para as quais há projetos executivos de qualidade, análise de custo/ benefício rigorosa, cálculo da taxa social de retorno e que realmente venha a resolver algum problema, desgargalar algum processo. Mas nos nossos cálculos, isso não chega a R$ 5 bilhões, nem perto dos R$ 30 bilhões mencionados.
Haveria interesse mesmo nesse cenário de economia anêmica?
Claro que é um complicado, mas eu converso muito com investidores O interesse em infraestrutura no país é muito elevado, isso é um fato. É claro que, agora, há volatilidade no câmbio, instabilidade. O que afasta hoje os investidores é a incerteza. Quanto mais ruído vier de Brasília, e muito está sendo produzido, pior. Já tivemos problemas enormes de ruído na área ambiental, que atrapalharam, diminuíram o interesse. Veio a pandemia. mudou o foco, mas. ninguém esqueceu. Agora há outro tipo de ruído. O presidente se destaca como um ponto fora da curva na percepção da pandemia. Isso é ruído desnecessário, afeta a percepção do país. Afeta adversamente a imagem do país. E somos nós que estamos criando isso, não os investidores. O governo está dando tiro no pé do Brasil. O populismo, tanto o de esquerda quanto o de direita, faz muito mal ao país.
Há um ponto positivo no programa, chamado de "ordem", que prevê marcos regulatórios e segurança jurídica?
Previsibilidade regulatória e segurança jurídica são essenciais. O ordenamento correto é crucial. Mas aí também já tivemos problemas, quando o presidente decidiu 'não taxar o sol'. Não defendo uma posição ou outra, mas isso partir da Presidência é muito ruim. Gera insegurança jurídica. Não é papel do presidente intervir.