Diretor da Comexport, primeira trading privada do Brasil, Roberto Milani tem o pulso da movimentação de carga pelo mundo – em especial, na China. Desse ponto de vista estratégico, projeta que o impacto do coronavírus sobre a maioria dos negócios deve desaparecer até o final do primeiro semestre. Segmentos mais dependentes, porém, podem sentir o efeito até o final do ano. Em contato permanente com o escritório em Xangai, avalia que mais de 80% das indústrias chinesas estão retomando a atividade e que o gigante asiático "vai se recuperar rapidinho". A empresa opera desde 1973, logo depois de duas estatais começarem a atuar na intermediação de compras e vendas com outros países.
Qual é a dimensão dos riscos do impcato do coronavírus para a rede global de suprimentos?
Falamos diariamente com todo o mundo, temos escritórios em Xangai, com chineses e brasileiros. Do ponto de vista econômico, minha impressão é de que a China vai se recuperar rapidinho. Mais de 80% das indústrias estão retomando a atividade. Nas últimas duas semanas, as estatísticas da doença começaram a mudar. Toda essa dificuldade que existe, e continuará existindo, vai ser superada pelos chineses mais rápido do que se espera. Vai haver atraso no crescimento previsto. Se pretendia crescer em fevereiro ou março, adia para mais 60 dias. Não aposto em queda, apesar de ser muito ligado à China. É uma grande vantagem que essa gripe tenha se originado na China, pela capacidade de mobilização do país. A Europa, talvez, tenha problema maior. O melhor é que falta pouco para o fim do inverno por lá.
Em matérias-primas químicas, têxteis – principalmente fios – e equipamentos, de 70% a 80% dos produtos têm origem na China.
Qual é o tamanho da dependência chinesa na indústria e no varejo do Brasil?
É difícil dizer. Na Comexport, temos dois tipos de atuação. Uma consiste na distribuição de mercadorias importadas. Em matérias-primas químicas, têxteis – principalmente fios – e equipamentos, de 70% a 80% dos produtos têm origem na China. São itens do quais que temos estoques regulares no Brasil. Tenho expectativa de haver menor disponibilidade desses produtos em março e, talvez, em abril. Mas não será um atraso maior do que 15 dias em relação à expectativa. Talvez precisemos atrasar um pouco a entrega para os clientes, pois os fornecedores vão atrasar um pouco. O que os fornecedores chineses estão dizendo é ‘até o final de março embarco o que iria entregar até 15 de março.’ Vai haver atraso, mas não será significativo. Eles estão pisando muito no acelerador para recuperar no curto prazo. Também prestamos serviços à comunidade brasileira de importadores. Fazemos transporte, a parte financeira, nacionalização e distribuição, mas a decisão de compra e a relação ocorre entre comprador e vendedor. Nesses casos, também existe grande dependência da China, mas menor do que nos demais em que atuamos.
O atraso provocou problemas no transporte?
É difícil, talvez uma das maiores dificuldades que temos. A logística interna da China ficou muito complicada. Estradas foram fechadas, empresas de transporte deixaram de funcionar, mas confio na mobilização dos chineses. No transporte marítimo, tem navio e espaço de carga sobrando. Quando os chineses falarem 'podem vir para cá, navios e contêineres', vai ter disponibilidade. Neste momento, está complicado. Existe um esforço especulativo de aumento de preço. Vai haver um acúmulo: o que deixou de ser embarcado, vai ter de ser. Haverá tentativa de aumento de preço por parte dos armadores (donos dos navios), mas não se sustenta, tem muito navio e espaço sobrando.
Essa situação é um balde de água fria, mas as empresas de varejo estão menos dependentes do que no passado.
Quais devem ser os efeitos no Brasil, e até quando devem ser sentidos?
Prefiro acreditar que até metade do ano tudo se resolve. No varejo, existe preocupação gigante, pois o setor vinha com expectativa muito boa, estimativa de aumento nas vendas. Estão todos muito preocupados. Todas as grandes redes estão bem estruturadas na China, apostando bastante no suprimento chinês e no crescimento de demanda no Brasil. No varejo, vamos sofrer no primeiro semestre, até final de junho ou julho, e as coisas começam a entrar nos eixos no segundo semestre. Para o segmento eletroeletrônico é mais difícil, me preocupo um pouco mais com esse tipo de indústria, assim como com o setor automotivo. Talvez demore até o final do ano para normalizar. Essa situação é um balde de água fria, mas as empresas de varejo estão menos dependentes do que no passado. Tem produção nacional, em outros países.
A situação atual tem alguma semelhança com a crise de 2008?
Quero acreditar que não. Escuto também que esse movimento rápido dos bancos centrais trouxe um efeito rebote do tipo 'o buraco é mais embaixo'. Como se diz, gato escaldado tem medo de água fria. Tem um overreacting (reação exagerada), mesmo que tenha sido uma ação bem intencionada. Fiquei preocupado quando vi as primeiras reações da China em relação ao coronavírus. Achei muito forte isolar uma cidade. Pensei 'o mundo vai acabar', mas estou vendo que não, que a reação foi muito forte porque havia necessidade, mas está gerando efeito positivo, pois as estatísticas estão melhorando.