Diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone avalia que o atual mercado de petróleo ameniza o impacto de eventuais reações de Irã e Iraque ao ataque dos Estados Unidos que matou um líder iraniano em Bagdá. Não abre mão da defesa da liberdade da Petrobras para repassar altas, mas sustenta que vale também para não reajustar.
Pode haver disparada no preço do petróleo?
Minha leitura é de que esse cenário é improvável, pelo que analisei ao longo dos últimos tempos. O risco de fechamento do Estreito de Ormuz, que provocaria esse efeito, não é considerado alto pelos principais analistas internacionais. Como passam por lá 17 milhões de barris, quase 20% da produção mundial, o fechamento seria um ato de guerra. Demandaria uma reação ocidental, não só dos Estados Unidos e talvez até oriental, se incluirmos China e Japão. Seria um ato de hostilidade à economia global, não ficaria restrito a um ato contra os Estados Unidos. Aliás, os EUA são exportadores de petróleo, não dependente mais diretamente do Oriente Médio, ou seja, quem vai sofrer muito mais não são os americanos, mas chineses, japoneses, indianos. Não consigo ver este cenário como o mais provável. É possível, sem dúvida. Mas o mercado de petróleo mudou muito.
Por que houve essa mudança?
O shale (óleo de xisto, abundante nos EUA) é uma realidade industrial. Cria-se o reservatório de petróleo artificial por meio do fraturamento hidráulico e da perfuração horizontal, são as duas técnicas usadas. Com isso, teoricamente, qualquer bacia que já produziu petróleo no mundo,pode voltar a render. Na Argentina, na área de Vaca Muerta, existe grande quantidade de petróleo em rocha geradora. O shale é o fim do petróleo caro, com o tempo. Se o preço do barril sobe para US$ 100 e economicidade (faixa de preço que torna a alternativa viável) do shale está em US$ 60, para ganhar US$ 40 as indústrias vão produzir shale. Isso seria possível no longo prazo, que nesse segmento é de seis meses. Claro que, se houver uma ruptura e faltar 10% da produção mundial, ocorre um choque, mas não vejo esse cenário como o mais provável.
Existe algum cenário que em que não repassar totalmente a variação de preço no Brasil seria tolerável?
A Petrobras tem liberdade de preço, tem ferramentas de hedge, tem estoques, tem produção. Essa história de que, para seguir o mercado internacional, precisa reajustar todos os dias, não precisa ser assim. O certo, para quem pensa assim, seria repassar a todo segundo, pois o petróleo muda, o câmbio também, então não existe essa questão. A Petrobras está reajustando corretamente, cerca de uma vez por mês, e não está sendo prejudicada. Nunca tivemos no país um preço interno tão aderente (à média internacional). A Petrobras entrega gasolina e diesel em 35 pontos no Brasil, em cada um tem um preço diferente. As companhias têm flexibilidade. Essa histeria de ter de reajustar rapidamente é uma construção que fizemos. A Petrobras tem liberdade para não perder dinheiro e acredito que não vá perder. É livre até para não reajustar.
Um cenário de acirramento do conflito poderia retirar do mercado uma grande quantidade de petróleo?
Nesse caso, seria uma crise aguda, com impacto forte no preço, mas momentâneo. Ninguém imagina que uma crise como essa duraria muito tempo, os países não tolerariam ficar seis meses com o Estreito de Ormuz fechado. Um evento dessa magnitude, se acontecer, teria curta duração, pois a reação é proporcional. É um cenário pouco provável.
Há uma projeção para a máxima de preço de petróleo?
Não, mas um choque de preço de 10% é relevante. Agora, o petróleo está quase estável, está subindo 0,2% (na tarde desta segunda-feira, 6). Quando aconteceu o ataque na Arábia Saudita em setembro passado, fiz um paralelo com 11 setembro. Não do ponto de vista da morte, do drama, mas sim do ponto de vista da surpresa com o poder bélico, foi uma quebra de paradigma. Na Arábia Saudita (em setembro passado), achávamos que, para paralisar 50% da produção, seria preciso aplicar uma força militar estruturada que poucos países teriam. Sob o aspecto da insegurança, teve efeito paralelo ao 11 de Setembro. Aumentou a insegurança no mundo, mas como a produção voltou logo em seguida, não conseguimos quantificar o reflexo no preço. Acredito que isso vá acontecer de novo, agora a tendência é de que continue se repetindo, com mais frequência, pois esquentou o clima.
A temperatura verbal já não está muito elevada?
Morei no Oriente Médio, lá a temperatura está elevada há décadas, não me surpreende. Não estou minimizando o evento, porém acho que não teremos a Terceira Guerra Mundial. Agora, pode acontecer um ataque importante no Oriente Médio e pode haver fechamento temporário do Estreito de Ormuz.
Qual seria a forma de compensar a alta dos combustíveis para o consumidor no Brasil?
A possibilidade de lidar com isso é fazendo um acordo sobre o ICMS. Temos uma reforma tributária pela frente. É complexo mas, se não fizer, nunca vai acontecer. Toda hora tem uma crise e um problema que identificamos, e não fazemos nada. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o ICMS da gasolina é de 30%, a gasolina custa R$ 4,50 na bomba. Diante de uma crise no Irã, por exemplo, sobe 5% na bomba, vai para R$ 4,60. O governo do Estado faz uma pesquisa de preço e constata que subiu o preço médio, vai lá e aumenta o (preço de referência do) ICMS, em consequência o posto sobe mais o preço na bomba. Esse ciclo é um acelerador de preço e um infindável gerador de instabilidade na receita estadual. O ideal serial fixar o ICMS durante um período e não ficar nesta volatilidade permanente, pois diante de uma crise, cria um efeito cascata no preço.
Existiria possibilidade de concessão de subsídio?
A arrecadação que a União teria com o aumento da exportação seria suficiente para compensar o aumento no preço da gasolina, do diesel e do GLP (gás de cozinha). Do ponto de vista da economia, teria recursos para fazer subsídio, mas em momento de transição energética, subsidiar combustível fóssil é dar sinal errado de preço para a economia. Sinal de preço correto é que, se o produto está caro, deve-se consumir menos, se está barato, consume mais. Há uma tendência de tentar reverter essa lógica no caso dos combustíveis, é por isso que a economia fica toda desarranjada.