O cenário internacional desafia a retomada da economia brasileira em 2020. Diante das recentes turbulências globais e da crise na Argentina, as exportações verde-amarelas devem cair pelo segundo ano consecutivo, o que também tende a atingir o Rio Grande do Sul, de acordo com especialistas. O quadro reforça a ideia de que a reação mais consistente do Produto Interno Bruto (PIB) nacional dependerá do aquecimento do mercado interno nos próximos meses.
A tensão global ganhou novo capítulo na largada de 2020, com o ataque dos EUA a um aeroporto em Bagdá, no Iraque. A ação provocou a morte do general iraniano Qassem Soleimani na semana passada. Um dos primeiros reflexos do bombardeio foi a elevação da cotação do dólar e do valor do petróleo no mercado internacional.
— O ataque cria instabilidade. O aumento no preço do petróleo gera impacto na inflação no mundo inteiro. Ou seja, é mais um fator que pode desacelerar o desempenho da economia global — explica o consultor Welber Barral, exsecretário de Comércio Exterior.
Em 2019, as exportações brasileiras caíram 6,4%, para US$ 224 bilhões, conforme dados do Ministério da Economia. Com a redução nos embarques, o saldo da balança comercial, que mede a diferença entre as vendas externas e as importações, diminuiu para US$ 46,7 bilhões.
Foi o menor superávit desde 2015. Ou seja, o Brasil exportou mais do que comprou de parceiros comerciais no período, mas a diferença entre os negócios encolheu.
— O cenário internacional para 2020 não é bom. A contribuição do comércio exterior deve ser negativa no PIB brasileiro, com baixa nas exportações e alta nas importações, diminuindo o saldo da balança. É muito difícil ter alguma reversão de expectativas — frisa o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
Segundo o Banco Central (BC), a economia nacional deve crescer 2,2% em 2020. Para o ano passado, a alta prevista pela instituição é de 1,2% — o resultado oficial do PIB será conhecido em março. Na visão de analistas, investimentos privados e setores como o comércio tendem a avançar mais em 2020, o que amenizaria as perdas externas.
A partir de 2018, a guerra comercial entre Estados Unidos e China semeou incertezas na economia mundial. Na reta final do ano passado, as duas potências ensaiaram trégua, com anúncio de acordo parcial (a ser assinado no dia 15), mas ainda insuficiente para acabar com as interrogações no cenário.
Com a batalha, alguns segmentos do agronegócio e da indústria ganharam espaço nos mercados americanos e chineses. Por outro lado, de modo geral, as incertezas do confronto reduziram projeções de crescimento da economia global, o que afeta o Brasil.
— O acordo inicial entre Estados Unidos e China distensiona o cenário externo, mas não é suficiente. A economia mundial não está tão bem de saúde — descreve o professor Argemiro Brum, da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul (Unijuí).
Argentina
Outro fator que joga contra o comércio exterior é a crise na Argentina, tradicional destino de produtos da indústria brasileira. No ano passado, os embarques ao país vizinho despencaram 34,9%, para US$ 9,7 bilhões.
A penúria dos hermanos também ajudou a fazer com que, pela primeira vez em 40 anos, o Brasil exportasse mais produtos básicos, como grãos e carnes, do que bens industrializados.
— Não há perspectiva de grande retomada na Argentina no curto e médio prazos — sublinha Brum.
Diante das dificuldades globais, o Brasil deve focar em medidas que tornem o ambiente de negócios do país mais competitivo.
Na avaliação do presidente da AEB, uma das ações necessárias é o avanço em 2020 de reformas como a tributária e a administrativa.
— Precisamos de medidas que reduzam o custo Brasil. Sem isso, isso não sairemos do lugar — pontua Castro.
Trégua com sinais opostos
Exportadores brasileiros devem sentir impactos opostos caso EUA e China confirmem novos avanços no acordo para encerrar a guerra comercial. Por um lado, o acerto tende a beneficiar toda a economia global ao acalmar ânimos e reduzir incertezas. No sentido contrário, há o risco de o fim da disputa diminuir o ritmo das exportações de países como o Brasil a americanos e asiáticos. Por causa da batalha tarifária, as duas potências tiveram de abrir mais espaço a parceiros alternativos.
A trégua entre EUA e China ganhou fôlego em dezembro, com anúncio de acordo da primeira fase de negociações. Os americanos suspenderam tarifas que entrariam em vigor e indicaram redução gradual de taxas sobre produtos chineses.
Em troca, os asiáticos teriam de comprar mais mercadorias agrícolas americanas. Representante do comércio dos EUA, Robert Lighthizer disse que os chineses comprariam US$ 32 bilhões extras em produtos agrícolas nos próximos dois anos.
— Em setores pontuais, como os de carne e soja, o acordo pode gerar alguma redução na demanda (por produtos brasileiros), porque a China deslocaria parte das compras aos Estados Unidos. Agora, de forma geral, o acerto entre os países seria benéfico. Diminuiria a tensão global — diz o professor Argemiro Brum, da Unijuí.
Coordenador do centro de estudos Insper Agro Global, Marcos Jank frisa que os EUA sofreram prejuízos recentes de quebra de safra. O país teria dificuldades para abastecer toda a demanda chinesa que estaria prevista no acordo inicial, afirma.
— Os EUA não terão produtos suficientes para chegar ao nível total previsto no acordo para os próximos dois anos. Se o acerto fosse totalmente praticável, o Brasil poderia perder US$ 10 bilhões em exportações do agronegócio à China — projeta Jank.